Os Sonhos II

© Walther Hermann Kerth

Sinopse

Esse artigo é a retomada de um assunto essencial para nosso povo e nação: o desenvolvimento de uma cultura mais empreendedora e mais responsável pelo nosso futuro, que a cada dia se torna presente.

Contexto

Entrevista cedida à revista digital da OSCIP Planetapontocom (www.revistapontocom.org.br), que vem trabalhando e desenvolvendo projetos na área de mídia e educação no Rio de Janeiro – tal questionamento acabou por materializar algo que eu vinha gestando já há algum tempo.

Uma viagem à Europa em 2007 despertou minha curiosidade para uma reflexão já proposta anteriormente sobre os sonhos. Na ocasião, percebi que a solidez sócio-econômica-cultural e a estabilidade do Velho Mundo traziam consigo uma sombra: a falta de grandes perspectivas e sonhos dos europeus… Parecia haver uma grande melancolia no ar e uma falta de esperança!

Comparando tais percepções com uma visita anterior, 12 anos antes, na qual eu mesmo senti-me oprimido pela aparente perfeição da sociedade, descobri que havia muitas oportunidades numa dimensão humana. Então compreendi que a instabilidade de nossa cultura era também uma passagem para um universo de flexibilidade, criatividade, entusiasmo, motivação e a possibilidade de sentir-mo-nos co-criadores de nosso mundo. Essa seria a luz por detrás das sombras da impunidade e da corrupção.

Entrevista

1) O que é sonhar?

Sonhar é um processo de visualização espontânea que parece ser um subproduto da atividade cerebral durante uma fase do sono fisiológico chamado sono REM (Rapid Eye Movement – não sei o termo técnico em português). Todas as pessoas sonham, embora nem todas tenham acesso consciente às memórias daquilo que sonharam. Para algumas culturas humanas chamadas de primitivas, muitas das experiências vividas em sonhos são consideradas tão reais quanto aquelas experimentadas nos estados de vigília. Não sei sobre as pesquisas científicas com animais, mas já observei que meus cachorros sonham, e também têm pesadelos – com isso quero salientar que talvez a atividade onírica não seja somente humana!

Porém, não creio que essa pergunta seja sobre isso… Mais parecer inquirir sobre um fenômeno ainda mais surpreendente, mesmo que familiar, que se trata da capacidade humana de fantasiar o futuro. De alguma estranha forma, nossa mente é capaz de reunir nossas memórias e reconfigurá-las, transformando-as em possíveis cenários de nossos futuros desejados. Talvez esse processo esteja relacionado com uma outra fantasia humana chamada de tempo! O tempo não existe fisicamente, mas é uma abstração humana que nos permite criar modelos físicos de compreensão de nossa realidade incessantemente mutável a cada segundo!

Diante disso, sonhar, devanear ou planejar o futuro diz respeito a um processo subjetivo de antever nossos possíveis futuros, permitindo-nos simular estratégias e métodos que nos permitam aproximarmo-nos de tais cenários. Portanto, sonhar, nesse sentido temporal, parece ser um dos processos que mais distinguem a civilização ocidental de outras, pois aqui, conforme dizia Joseph Campbell, vivemos a possibilidade de sermos co-criadores de nossos futuros, como jamais aconteceu antes em qualquer outra cultura conhecida, cuja rigidez não permitia ao indivíduo desejar mudar de status ou de situação: o mundo devia permanecer como tivera sido criado e os rituais e sonhos mais se pareciam com métodos de transmissão do conhecimento ancestral imutável para as gerações seguintes.

Em nossa época, porém, há uma sombra perigosa de nossos sonhos, digo nossos desejos cristalizados em representações mentais: em geral eles são condicionados por experiências anteriores – dessa forma, é quase impossível sonharmos com realidades que ainda não vivemos ou conhecemos, isto é, somente somos capazes de imaginar futuros pautados em experiências passadas… Levando em conta que os veículos de informação mais acessados são exatamente aqueles que espalham memórias sombrias e trágicas de nosso tempo, passado e presente, corremos o risco de, inconscientemente, construirmos modelos violentos e obscuros de nossos futuros: assim são sonhadas as guerras, os conflitos, as agressões e, talvez, o próprio sofrimento e explorações humanas.

Uma outra instância importante dos nossos sonhos, desejos e planos do futuro, é que eles conectam nosso sentimento e nossas emoções àquilo que vislumbramos! Dessa forma, fica bem mais fácil e atraente assumirmos responsabilidade por buscar materializá-los em nossas vidas. Tenho um exemplo interessante que ilustra ao que me refiro. Tive um cliente, empresário (industrial e lojista de móveis), que contou-me de uma época próspera de seu negócio em que permanecia em sua loja de móveis visualizando a entrada de clientes que fechariam bons negócios – e isso, de fato, acontecia com frequência! Porém, houve uma época posterior na qual o negócio não ia bem e, embora ele imaginasse que o processo de visualização fosse um recurso que poderia aumentar suas vendas, ele já não conseguia mais imaginar os clientes entrando em sua loja e fazendo boas compras…

Todos os grandes líderes conseguem parte de sua força e apoio quando compartilham suas visões ou sonhos do futuro. Houve homens cuja visão se penetrou no futuro mais de mil ou dois mil anos… Houve outros cujos sonhos tiveram menor alcance… Diante disso, tenho ainda hoje uma pergunta sem respostas: somos nós que sonhamos e desejamos novos futuros ou seriam esses sonham que se apropriam das pessoas? Penso nisso porque já observei diferentes fases em minha vida nas quais ora tinha sonhos que me moviam, ora não conseguia vislumbrar sequer algumas semanas no futuro, mesmo desejando transformar minha realidade. Desse ponto de vista, eu diria que os sonhos parecem com “bússolas” interiores que nos dão certas direções ou destinos possíveis para satisfazer nossas expectativas como seres humanos.

2) Sonhar exige algum pré-requisito?

Creio que o processo de sonhar seja também aprendido, baseado em nossa história e que nossa compreensão dos sonhos e desejos humanos estão referenciados numa percepção bastante particular do fluxo de tempo. Nossos próprios condicionamentos culturais determinam nossa competência de sonhar e associar a eles um tempo ou duração de realização… Gosto muito de pensar sobre um fenômeno impressionante: que nos sonhos noturnos vivemos experiências também condicionadas pela nossa compreensão da realidade, e do tempo… Não existe nada que se admita ser tão inconsistente quanto um sonho, mas quando estamos nesses estados de consciência, as leis físicas parecem valer da mesma forma que valem no mundo real – e não precisavam valer, afinal são apenas sonhos: poderíamos viver experiências completamente surpreendentes, e no entanto, elas parecem reproduzir as experiências cotidianas. Da mesma forma, o sonho desejado, o plano de vida… Não poderia ele ser também completamente maluco? E se assim fosse, seriam impossíveis? O que desejo dizer com isso é exemplificado pela seguinte constatação: nossos jovens adultos tiveram como heróis na infância seres com habilidades super-humanas – e não parece estarmos nos aproximando dessa época, dos super-homens? Toda tecnologia que possuímos hoje foram apenas sonhos malucos na mente de nossos antepassados, alguns deles chegaram a levar seus sonhadores à fogueira!

Não creio que haja algum pré-requisito para sonhar. Embora pessoas muito sofridas de traumatizadas talvez não estejam suficientemente disponíveis para sonhar. Há também algumas possibilidades de condicionamentos negativos a respeito dos sonhos que possam distanciá-los das pessoas em algumas condições. Vou dar um exemplo: há algum tempo atrás, conversando com um casal que falava da educação de seus filhos, ouvi o seguinte comentário: eles recentemente haviam trocado a escola do filho pois, cada vez que a professora desejava punir alguma criança, colocava-o num cantinho da sala, de costas para a turma, instruindo-a a pensar! Não é preciso muita lógica para concluir que tal professora estava fazendo um ato quase criminoso: condicionando tais crianças que o processo de pensamento ou reflexão era parte da punição! Imagine quais serão as reações dessas crianças quando tiverem que pensar algum dia – esse processo estará associado, talvez para o resto da vida, a uma punição! Cada vez que alguém disser a uma dessas crianças que deve pensar em algo, inconsciente e automaticamente despertarão as memórias de punição!

Se isso, por qualquer razão que seja, tivesse sido feito com o processo do sonhar ou pensar em algo melhor, possivelmente tal pessoa acessasse maus sentimentos ao pensar em sonhar. Dessa forma, talvez inconscientemente reprimisse qualquer fantasia espontânea que se referenciasse num futuro melhor.

Creio que, a partir dessas reflexões, talvez você esteja pensando que minhas respostas são um tanto pessimistas, não? Sim, eu concordo com isso, mas gostaria de fazer também uma reflexão sobre o assunto…

Penso que deveríamos sonhar como otimistas e planejar como pessimistas. Há estatísticas interessantes sobre esses dois grupos: os pessimistas têm o dobro de chances de sobreviver em situações trágicas! É fato, em situações de risco os pessimistas sobrevivem muito mais – eles estão todo o tempo estressados imaginando planos de contingência (planos B, C, D, etc) para situações de risco ou fracasso. Além disso. Porém, sem situações de risco, os pessimistas vivem bem menos, já que a concentração de hormônios de estresse no sangue reduz a imunidade e a vitalidade dos mesmos, ou seja, sem riscos, os otimistas vivem bem mais! Também tenho a impressão que os pessimistas desejem muito menos que os otimistas, e que também realizem menos, pois muitas vezes ficam paralizados pelas suas fantasias sombrias do futuro (seus sonhos negativos). Então qual seria a solução? Eu diria que é o meio termo, o equilíbrio, o realismo: sonhar e desfrutar como um otimista e planejar e realizar como um pessimista!

Voltando à pergunta original, creio que, na civilização atual, basta não atrapalhar uma criança (reprimi-la exageradamente, traumatizá-la, feri-la, etc) para que ela consiga sonhar… Portanto, não há pré-requisitos, embora algumas pessoas tenham que ser lembradas ou estimuladas a esse processo, talvez devido a terem perdido esperanças. Nesse sentido, sonhar ou desejar tem grande intimidade com o grau de expectativas em relação a algo ou a quanta esperança uma pessoa ainda cultive em relação a sua vida, seja ela pessoal ou profissional. Vivemos numa das culturas mais fantasiosas da humanidade… Nós consumimos fantasias todo o tempo na televisão, no cinema, nos jornais, em todos os lugares… Se pensarmos nos filmes de catástrofes, facilmente concluímos que a realidade tem superado as fantasias, mais cedo ou mais tarde. Isto é, somos convidados a compartilhar desse sonho coletivo a todos os momentos, seja nos apelos de consumo ou nas marés da opinião pública. Sim, pois ela possui uma flexibilidade impressinante diante das notícias: num dia a TV brasileira colocou na presidência um sujeito que, poucos anos depois foi retirado da presidência pela própria mídia. Hoje fabricam um ídolo e amanhã o destroem, sem qualquer escrúpulo! Mês passado morreu Michael Jackson como um herói, sendo que ele mesmo já fora destruído pela mídia pouco tempo antes, após ter subido aos céus graças à própria máquina da propaganda! Toda nossa noção de realidade é instável e sujeita ao grande sonho coletivo do que é certo e do que é errado (em geral sonhado por poucos), sem qualquer relação com aquilo que possamos chamar de Verdade!

3) Qual é a importância de sonhar nos dias de hoje?

Essa resposta é curta: minha opinião é que somente conseguiremos mudar algo no nosso futuro sombrio se formos capazes de sonhar um mundo bem melhor para todos. Você pode afirmar com certeza que estamos caminhando para dias melhores? Ou você também tem dúvida sobre isso? Se imaginarmos que são nossos sonhos do futuro que vão nos atrair para uma época de prosperidade… Que o presente que vivemos constituem os sonhos de nossos antepassados… Então, se pretendemos construir um mundo melhor, certamente isso começará em nossos sonhos e fantasias do futuro. Nesse sentido, numa escala planetária, não é nada importante… Dessa forma, tal pergunta deve alcançar uma dimensão diferente: não do que é importante ou não, mas de quais decisões pretendemos tomar em relação ao nosso futuro. Gosto muito de uma citação, creio que de um grande sábio cujo nome não sei: “Somos livres para decidir e prisioneiros das consequências”.

4) De que forma o mundo de hoje (globalizado, midiático, apressado, veloz, instantâneo…) impacta em nossos sonhos?

Minha impressão é que toda essa agitação nos distancia dos sentimentos, o que enfraquece nossos sonhos e nosso poder de realização de alguma forma. O que desejo dizer com isso é tem relação com algo que já introduzi antes sobre o pessimismo e o otimismo… O cérebro, evolucionariamente, é um solucionador de problemas e, portanto, essencialmente pessimista. O otimismo parece brotar de uma consciência maior dos sentimentos e do prazer – algo que parece estar associado a uma consciência maior do coração. Quando deslocamos nossa consciência para os sentimentos o fluxo de tempo muda – fica bem mais lento – como se fosse uma frequência mais baixa. No entanto, segundo modelo de mapeamento de algumas funções cerebrais, nossa capacidade de visualizar e sonhar acordados parece residir no córtex pré-frontal… Portanto a questão é que precisamos do cérebro para sonhar, planejar e solucionar os problemas, mas se não tivermos força de vontade provavelmente não conseguiremos sustentar tais objetivos. A força de vontade parece ter origem em nossos sentimentos e maturidade emocional. Enfim, o que desejo dizer é que a era do cérebro em que vivemos, muito bem representada pelo Império no filme “Guerra nas Estrelas”, parece tornar os sonhos mais fáceis de serem sonhados, embora mais fugazes e distantes de serem realizados, já que a materialização dos sonhos exige estabilidade de objetivos e tempo de realização. Essa dimensão de fluxo mais lento, a realização, fica muito frequentemente sem valor. Ou seja, conheço incontáveis sonhadores, mas poucos sonhadores realizadores!

Há ainda outro aspecto… Em 1995 quando estive pela primeira vez na Europa, senti-me completamente oprimido. Eu sempre pensara que o primeiro mundo era muito mais organizado, haveria muito mais respeito, civilidade e segurança. Eu estava certo em relação a isso, porém não imaginava que me sentiria tão claustrofóbico: eu era pequeno empreendedor e lá, tive a impressão que tudo já estava pronto! Não havia oportunidades, não havia nada novo a ser feito: tudo já estava pronto e já tinha sido feito. Então compreendi o quão importante era o nosso país para expressarmos nossa criatividade e poder de realização. Em 2007 voltei e descobri algo interessante: o povo europeu parece viver sem perspectivas; senti uma grande tristeza, desesperança, falta de objetivos e sonhos, baixíssima taxa de natalidade, entre outras coisas… Nessa ocasião pude vislumbrar um universo de oportunidades! Sim, pois entre 1995 e 2007 eu migrei de profissão e hoje, como coach, meu papel é exatamente despertar as pessoas para os seus melhores destinos! Como diz Leonardo Wolk, minha profissão é de “soprador de brasas” – assim senti-me bem mais motivado a passar um tempo lá, ajudando as pessoas a se reconectarem consigo mesmas e despertarem seus sonhos. Essa é a desordem seguinte que a era do cérebro nos trouxe: o poder de planejar, solucionar problemas, medir resultados e acelerar o mundo, é o mesmo poder que nos afasta daquilo que sentimos de mais profundo e genuíno. Penso que a cultura do consumo nos distancia de nossas reais necessidades, de nossa percepção, daquilo que realmente nos satisfaz. O mundo de hoje nos propõe uma triste barganha: substituirmos a satisfação pelo prazer! De fato, quando menos satisfeitos estamos em nossas vidas, maior a necessidade de prazer. Quanto mais satisfeitos estamos, menor a necessidade de prazer – interessante, não? Uma valiosa equação proveniente da Psicologia Positiva – uma nova doutrina que estuda o sucesso e as soluções, em vez de estudar os problemas!

5) As crianças e os jovens de hoje sonham?

Sim, especialmente os de classes sociais mais baixas. Curiosamente, as crianças, adolescentes e jovens das classes mais altas, talvez sejam os que têm menos objetivos ou sonhos de longo prazo. Existe uma estatística interessante sobre o trânsito nas classes sociais: apenas 25% das pessoas de grande sucesso provêm das classes sociais mais altas! 75% das pessoas de sucesso provêm das classes sociais mais baixas. Essa é uma pesquisa que trata do Quociente de Adversidades, mais comumente conhecido como resiliência. A razão admitida para tão baixo percentual de pessoas bem sucedidas originárias das classes sociais mais altas é que elas não têm suficientes problemas! De fato, a resistência à frustração e ao fracasso é um excelente indicativo do poder de realização das pessoas que está sendo utilizado atualmente em países de primeiro mundo para seleção de líderes que demonstrem poder de realização. Esse índice suplantou o antigo Quociente Emocional (Q.E.) que já havia substituído anteriormente o Quociente de Inteligência (Q.I.) no poder de selecionar profissionais altamente preparados para liderar e empreender.

Bem, mesmo que os jovens sonhem, isso somente não é suficiente para garantir seu sucesso. A fórmula deve conter outras variáveis, como mencionado acima: a “receita de bolo” do sucesso contém os sonhos (conexão afetiva profunda com sua atividade futura), contém responsabilidade (a conscientização, a esperança e uma tomada de decisão necessárias para que o indivíduo se comprometa com seus sonhos) e também contém obstáculos (problemas, dramas, dificuldades e frustrações que desenvolverão os “músculos emocionais” para o indivíduo não esmorecer diante das dificuldades). Entretanto, conheço muitas pessoas com esses três ingredientes que não têm absolutamente nenhuma ética! Encontro pessoas assim todos os dias, até mesmo entre amigos. Assim, se pensarmos no papel dos sonhos para transformar nosso mundo em algo melhor, ainda falta mais alguns insumos: creio que eles incluam amor, respeito e valores humanistas, além de menos pressa, ambição e egoísmo.

6) Os sonhos de hoje estão em sua grande maioria ligados à realização profissional, ao consumo?

Excelente pergunta! Sim, em muitos lugares essa parece ser a resposta. Mas observo que aumenta diariamente a quantidade de pessoas cuja consciência está orientada para algo bem mais abrangente. Tenho encontrado, cada vez mais frequentemente, pessoas sinceramente motivadas a dar uma sobrevida para a nossa civilização que abrem mão deliberadamente do luxo, do desperdício e do status para avaliar o impacto ambiental, cultural ou educacional de cada um de seus atos. São pessoas comprometidas com a sustentabilidade e com a gestação de sonhos mais éticos, ecológicos, duradouros e essenciais para a satisfação humana. São pessoas refratárias aos apelos da moda, mas conscientes de seu papel e menos iludidas pela massificação das informações e da propaganda de consumo.

Na medida em que nossos sonhos são condicionados pela nossa história, conforme mencionei no início, pelas nossas experiências passadas, e também pelas fantasias propagadas pela cultura de consumo, imagino que seja importante lembrar que uma parte das pessoas que conheci que alcançaram o sucesso profissional ou um grande poder de consumo, mesmo assim não se sentiram satisfeitas. É claro que, depois de conquistar aquilo que podemos chamar de fantasias de status de nossa civilização e descobrir que isso não alimenta nossa alma, a prosperidade alcançada certamente facilita um redirecionamento de objetivos. Não é tão fácil redirecionar nossos desejos enquanto ainda estamos buscando as condições mínimas de sobrevivência, conforme dizia Abraham Maslow. Porém, aqui nos deparamos com uma das questões mais essenciais do assunto em minha opinião brilhantemente exemplificada por um sábio persa do século XI, Jalaludim Rumi: “O anseio interior se expressa numa centena de desejos que, pensam as pessoas, são suas necessidades reais. Mas a experiência mostra que não são estes seus desejos verdadeiros, pois, ainda que atinjam tais objetivos, o anseio não diminui (“Os Sufis”, Idries Shah, Ed. Pensamento)”.

Imagino que são os nossos sonhos e desejos que nos movam pelo mundo, eles incendeiam o combustível de nossas vidas. Entretanto, muito frequentemente, tais sonhos são apenas ilusões que, ao revelarem sua inconsistência já cumpriram seu destino maior de nos proporcionar os aprendizados que precisávamos para que pudéssemos enxergar sonhos ainda mais essenciais e significativos… A cada nova etapa de vida, esse processo parece se repetir, durante o qual vamos amadurecendo e nos tornando mais profundos, a ponto de, gradualmente, nos tornarmos sensíveis para motivações cada vez mais essenciais e, portanto, satisfatórias. Dessa perspectiva, penso que sonhar como sonhamos é muito importante, mesmo que aos olhos de pessoas mais experientes nossos desejos pareçam infantis, egoístas ou materialistas! Esse é o caminho que percorremos para amadurecer. Quando alguém abandona seus sonhos, mais frequentemente está a mercê da correnteza e, em geral, vive a vida de outras pessoas! Se não sonhamos os nossos sonhos, certamente apenas faremos parte dos sonhos de outras pessoas. Um provérbio hindu propõe ser melhor viver o próprio destino de forma medíocre do que viver o destino de outros de forma brilhante – e eu concordo com isso, pois não acredito que a Providência criaria a diversidade para que ela fosse padronizada!

7) Qual é o papel da escola e da família nos sonhos das crianças e dos jovens?

Creio que eu já tenha respondido a essa questão por ter precisado de tais argumentos em minha linha de raciocínio, porém vou retomar o assunto. Muito frequentemente encontramos crianças ou jovens assumindo a responsabilidade pelos sonhos não realizados pelos seus pais! Quando isso representa a satisfação de um anseio profundo do indivíduo, então o papel dos sonhos dos pais é óbvio. Quando inconscientemente os jovens não compartilham profundamente das expectativas de seus pais, possivelmente buscarão objetivos que não são seus, logo não alcançarão o sentimento de satisfação ou realização: mesmo assim a função dos sonhos se cumpre pois, mais cedo ou mais tarde essa consciência se desperta e o indivíduo poderá redefinir seu destino. Caso não tenha mais tempo para isso, ainda assim a missão foi cumprida, pois o amadurecimento e o aprendizado dessa jornada é levado a cabo da mesma forma.

Quanto à escola, creio que minha forma de pensar não seja muito comum. Penso, tal qual propõem alguns pensadores da atualidade, que o papel da escola é social! O conhecimento e a informação são cada vez mais voláteis e estão cada vez mais baratos e disponíveis. Dessa forma, o papel mais importante da escola não é a educação, mas sim a oportunidade do processo de sociabilização do indivíduo. Antes de entrar na escola uma criança ainda está dentro do “útero” da família, uma “segunda gestação”, psicológica, durante a qual a criança recebe os recursos essenciais de sobrevivência emocional e psicológica. O nascimento social vem com a iniciação escolar: a chegada ao mundo dos relacionamentos regulares fora da família – durante a qual exercitamos e aprendemos a sobreviver entre as pessoas. Haverá ainda outros partos em nosso mundo ocidental. O único problema disso, segundo Joseph Campbell, é que não mantivemos os rituais de passagem suficientemente poderosos para demarcar as transições de papéis e identidades, o que produz muitos clientes para terapia em muitos outros momentos de vida em que a escolha ou identificação de nossos sonhos mais íntimos é confusa. Nesse sentido, a escola é um mal necessário. Pense quantos traumas escolares serão lembrados no futuro. Lembre do caso que citei acima sobre o condicionamento daquela criança que, provavelmente, nunca mais desejará pensar profundamente sobre algum assunto!

Nesse modelo conteudista que temos de nossa escola, muitos professores não estão suficientemente bem preparados para educar, são somente técnicos bem intencionados em apresentar seus próprios conteúdos. Você não tem idéia da quantidade de professores e educadores que hoje buscam terapias! Muitos deles extremamente frustrados, amedrontados, ansiosos ou deprimidos. Se você perguntar para qualquer terapeuta quais são as motivações de seus clientes ao buscar terapia, talvez você fique se surpreenda em descobrir que grande parte das vezes são memórias de dramas vividos na escola. Se avaliarmos bem, concluiremos, sem esforço algum, que as crianças e os jovens são bastante cruéis com seus colegas, tanto quando seus próprios professores! Talvez grande parte da agressividade do mundo moderno comece a ser gestada ainda dentro escola. Veja bem, com isso não quero dizer que existam culpados! Esse modelo nasceu de um processo sistêmico (o ovo e a galinha, qual nasceu primeiro?), como solução para uma civilização que tinha seus problemas, limitações, anseios e ideais e, pior, que imagina ser mais evoluída! Não é possível julgar o processo evolutivo, mas é possível sonhar com relações escolares de maior compaixão, cooperação, amor, respeito e inclusão – pois, me parece, além da sobrevivência básica, é exatamente isso o que mais buscamos como seres humanos! Sim, penso que a sociedade de consumo e a violência a que estamos expostos seja apenas um pesadelo do qual desejo acordar o mais breve possível!

Vou dar um exemplo: em qualquer ramo de negócio existe uma busca insistente e incessante por modelos de gestão mais efetivos: talvez por isso o mercado editorial de livros de negócios e soluções milagrosas tenha crescido tanto. Espionagem, benchmarking, ou qualquer outro desses termos apontam para uma procura por métodos eficazes de administração de negócios, não é? Pois bem, o modelo educacional mais bem sucedido no planeta parece ser o finlandês (descobri isso recentemente). O educador na Finlândia é muito bem preparado e extraordinariamente bem pago, pois ele será co-responsável pela sobrevivência desse povo, não é? E você sabia disso? Que a Educação na Finlândia se escreve com “E” maiúsculo? Você já ouviu falar em se importar um modelo educacional extremamente bem sucedido? Não, falamos diariamente sobre balança de pagamentos, importação e exportação de bens e “comodities”, também falamos sobre baixas da gripe suína, sobre corrupção, violência, etc… Quais são os tipos de sonhos que as pessoas levarão para casa para ocuparem suas noites de sono e seus dias de alienação?

Bem, minha posição não é crítica no sentido destrutivo, pois garanto para você que tenho trabalhado até demais envolvido em buscar realizar o meu Sonho: contribuir com algo para melhorar a educação de nosso povo. E, como uma formiguinha, tenho conseguido envolver algumas pessoas nesse sonho. Pessoas que passam a buscar ideais semelhantes e a cultivar sonhos harmônicos… Quando tivermos uma boa “orquestra”, então as coisas começarão a mudar.

8) Sonhar também se aprende?

Creio que sim, nas culturas em que as mudanças não são bem-vindas, os objetivos podem não ter a mesma importância que têm na nossa civilização. Então talvez os sonhos dessas pessoas tenham uma função muito distinta, conduzindo-os através de outros caminhos de volta a si mesmos! Portanto, sonhar como sonhamos em nossa época, desejar e planejar futuros mais atraentes, sim, são operações subjetivas aprendidas tanto nas relações interpessoais como já previamente codificadas na própria linguagem, nos mitos, nos símbolos e nas histórias de cada povo.

Conclusão

Se, conforme reflexões de Victor Frankl, o homem ocidental dá sentido à sua existência na medida em que vislumbra suas possibilidades no futuro, devemos ter em conta que talvez ainda não tenhamos o conhecimento suficiente para saber de onde realmente partimos! Conhecemos ainda muito pouco sobre a Natureza, o impacto da tecnologia sobre ela e os sistemas vivos para sermos capazes de avaliar a importância de nossos sonhos diante dessa perspectiva planetária – mesmo assim, sonhamos. Alguns de uma forma mais egoísta, outros mais altruístas. E isso dá parte da sensação de estarmos vivos.

Porém essa não é a única solução de existência, embora talvez seja a mais recente. Houve outras épocas da humanidade em que o futuro possivelmente não fosse tão incerto quanto hoje… Ou, quem sabe, fosse ainda mais obscuro, pois talvez dependesse da vontade desconhecida de deuses imprevisíveis.

Em qualquer dos casos, se acreditamos em evolução, podemos supor que todas as condições anteriores tenham nos trazido ao momento atual em que acalentamos nossos sonhos enquanto, ao mesmo tempo, gerenciamos nossas expectativas, ansiedades, angústias, medos, necessidades, e todos os sintomas conhecidos de nossa vida ocidental.

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