Mensagem de Natal – 2015

Por Walther Hermann Kerth

A mensagem desse ano não foi elaborada, em sua essência, para ser entendida, mas sim para ser sentida. É uma colcha de retalhos, pensamentos e reflexões sem grande conexão, que ocuparam minha mente durante este ano de 2015 e invadiram meu coração quando sentei à frente do computador para escrevê-la.

Há anos em que faço muitas coisas novas… Este foi um ano de consolidações, não houve muitas novidades, mas sim novos olhos sobre novidades anteriores. Em fatos, voltei a morar em minha cidade natal e para a universidade que frequentei há trinta anos – ainda estou me adaptando, depois de viver em outra cidade por quinze anos.

Tenho passado esses cinquenta e três anos e meio da minha vida aprendendo a viver. Com frequência tenho a sensação de que fui reprovado algumas vezes, já que a lição seguinte permanece a mesma. Entre as mais difíceis, que já repeti muitas vezes, está o aprender a amar! Tão complexo que, creio que já mencionei em outra mensagem de Natal, por vezes deixei essa disciplina para fazer depois, já que meu progresso foi insignificante. Então encontrei um artifício: se amar é tão complexo, escolhi começar pelas suas partes.

Então decidi praticar a gratidão. Bem, mas essa também não é tão simples quanto parece! Usar palavras tais como: obrigado, agradecido ou grato é simples quando se obtém o que se deseja. Difícil é agradecer aquelas experiências de vida que nos desafiam, nos desrespeitam, nos contrariam, nos assustam, nos magoam. Porém, depois da reação automática animal conhecida de lutar ou fugir diante de desafios, dedico-me a lembrar que são somente experiências, das quais posso obter aprendizados, conhecimentos, memórias e sentimentos de crescimento interior – aos poucos, com o treino, as reações mais automáticas vão se transformando em possibilidades de escolha das respostas que simulo com cada vez mais serenidade, à medida que aprendo a agradecer. Assim, consigo digerir e transpor muitos desses desafios.

De fato, quando lembro que ainda tenho a oportunidade de viver cada novo dia sinto-me até vitorioso, pois ao longo dos anos, muitos parentes, amigos, colegas e conhecidos deixaram essa jornada em diferentes momentos, alguns muito precocemente. Então sou grato pela oportunidade de continuar aprendendo, por mais avassalador que isso possa ser em alguns momentos.

Você pode perguntar: “A quem você agradece?”… Isso é o menos importante: agradeço aos envolvidos, à Providência, à Natureza, a todos os deuses e demônios, às dimensões mais profundas da minha existência inconsciente, etc. O mais importante não é a quem, mas o sentimento de ter recebido algo que me permite crescer e expandir, pois no fim, conforme algumas culturas primitivas acreditam, todas as coisas tratam da última Realidade.

Levando em conta a realidade de vivemos no Brasil neste último ano, entre tantas experiências e lições, eu nunca esqueceria de mencionar os desafios obscuros que testemunhamos todos nós, brasileiros e residentes. Provenientes de um passado distante, como uma herança da colonização, como parte da cultura política brasileira: as cenas e a comédia de nossos governantes. No início (reação animal), sentia-me muito indignado, desrespeitado, enganado, traído, roubado, etc., pois somos todos nós que estamos pagando essa conta. É muito mais fácil apontar o dedo para os erros alheios. Entretanto, bem aos poucos, minha consciência foi se iluminando à medida que fui capaz de lembrar-me de algumas lembranças, no mínimo, curiosas:

  1. Certa vez, há vários anos, respondi a uma pesquisa de um site da internet que perguntava: “Você é corrupto?”. Bem, a reação imediata foi responder NÃO, acompanhada de indignação. Essa memória nunca mais me abandonou. Em seguida comecei a responder as perguntas, parecidas com as seguintes:
    1. Você já furou fila?
    2. Já parou o carro em fila dupla ou local proibido? Já ultrapassou o limite de velocidade da via?
    3. Já se aproveitou de oportunidade para obter algum benefício pessoal?
    4. Você já comprou algum produto sem nota fiscal? Você alguma vez já fez algum negócio informal ou declarou valor diferente em um negócio para mascarar os ganhos?
    5. Você já colou ou passou cola em alguma prova? Já se beneficiou de oportunidades questionáveis? Já fez manobras, mesmo dentro da lei, para pagar menos impostos?
    6. Você já mentiu? Já exagerou a qualidade de um produto para vendê-lo mais fácil? Já maquiou o seu carro para vendê-lo melhor ou omitiu detalhes das reais vantagens ou desvantagens de um negócio que queria fazer, em prejuízo da outra parte?
    7. Você já tomou a iniciativa de parecer algo além do que é para conseguir algo de outra pessoa? Seja em negócios, serviços ou relações afetivas?
    Bem, foram várias perguntas… Possivelmente, nenhuma dessas respostas tenha relação alguma com corrupção em sua compreensão… Mas sim, antes do final daquela pesquisa, eu concluíra que eu era completamente corrupto. Tendia a minimizar minha responsabilidade e era bastante indulgente para comigo mesmo. Então como seria possível julgar os governantes que tinha? Sim, a grande corrupção começa na pequena corrupção do dia a dia.Essa é a realidade, nem triste, nem alegre, sem maquiagem alguma, somente a realidade. Basta lembrar que na semente de nossa raiz religiosa, bem no mito da criação, isso já fazia parte de nossa natureza: quando Deus pergunta ao casal original recebe como resposta de Adão que Eva o tinha induzido a comer a maçã; e quando a primeira mulher é também questionada, ela culpa a serpente!Somos todos corresponsáveis pelas condições e governantes que temos e não existe nada de errado nisso, é o que somos. Eles são como nós somos, tanto quanto a maior parte dos habitantes desse planeta. Então talvez não caiba perguntar por que estamos enfrentando esta situação, mas sim, primeiramente, reconhecer nossa resposabilidade sem juízo algum de valor. A pergunta mais adequada é: “Desejamos permanecer assim por quanto tempo?”.
  2. Tenho a convicção de que não existe melhor oráculo na existência do que a própria realidade! Quero acreditar que todos os eventos que experimentamos ou testemunhamos, são imagens de espelho de nosso mundo interior. Se isso for verdade, não existe melhor forma de olhar para dentro do que olhar para fora: o que vemos, interpretamos e apreendemos do mundo concreto nada mais é do que somos por dentro. Se alguém me pergunta sobre o que é a sua realidade interior eu ofereço a sugestão de olhar ao seu redor e para o que você é capaz de entender da realidade. Isso não é apenas uma resposta evasiva, mas uma convicção que apazigua a minha alma.Então, no meu treinamento para parar de reagir visceralmente com indignação, considerei a hipótese do teatro político que testemunhamos coletivamente ser apenas um reflexo das dinâmicas em que sou o protagonista no meu interior e… Bingo!Devo confessar que os presidentes da república, senado e congresso interiores estão todos lá dentro de mim também! Sim, cada um deles com as mesmas idiossincrasias, qualidades e defeitos atuam no meu universo interior com papeis semelhantes e comportamentos iguais, obscurescendo minha lucidez, corrompendo minhas decisões, comportando-se de formas egocêntricas, preocupados apenas com as suas necessidades, empobrecendo a nação, ignorando todo o resto do organismo que lhes dá vida e abundância.Sim, envergonhado reconheci que testemunho esse teatro nacional como uma oportunidade de tomar consciência do que faço comigo mesmo, porém não sou capaz de reconhecer facilmente, pois como diz um sábio “velho deitado” (velho ditado cujo autor não me lembro):

É preciso o tu, para se conhecer o eu.

Enfim, fui capaz de agradecer até mesmo àqueles que eu considerava mentirosos, desonestos e corruptos. O melhor estava por vir: parei de sofrer! Parei de incriminar, de julgar, de ruminar e de perder tempo analisando o “espetáculo”, aquilo que os noticiários dos meios de comunicação fazem o tempo todo, distraindo-nos do que é essencial. Garanto que o bem estar resultante, subsequente à tempestade, aos conflitos e às incriminações, não tem preço!

Meditar sobre as ideias e memórias acima me trouxe à consciência uma antiga consideração que guardo a respeito de minha forma de lidar com minha existência interior: “Sou um tirano, que pensa como um anarquista e age como um democrata.”. Não acredito na democracia. Trata-se de um modelo transitório em que podem haver 49,9%, ou mesmo mais que isso, de pessoas insatisfeitas. Mas, como seres humanos, ainda não temos maturidade para liderarmos de formas de governo e de tomada de decisões coletivas mais adultas e maduras, talvez ainda superhumanas.

Para não desviar a atenção do que é relevante, em essência, há uma grande disputa de poder em minha vida interior. Nada muito diferente das personificações do Bem e do Mal utilizados nas aventuras de “Guerra nas Estrelas”, cujo verdadeiro assunto trata do conflito arquetípico entre coração e intelecto, entre sentimento e pensamento, essa disputa que já atravessa milênios em nossa jornada espiritual individual e coletiva. Talvez por isso esses filmes sejam tão atuais: por representarem simbolicamente uma etapa da evolução que todos nós, individual e coletivamente, estamos atravessando e enfrentando no grande palco do mundo atual.

De fato, olhando ao meu redor, sou convidado a acreditar que ainda não somos realmente humanos, conforme os livros querem nos convidar a acreditar, ainda estamos no processo de humanização: aprendendo a amar, a respeitar, a cuidar e a conviver uns com os outros de forma compassiva e cooperativa.

Não são poucos os pensadores que falam sobre isso, porém agem ainda como bárbaros em suas vidas pessoais e relacionamentos. Basta abrir os jornais para nos darmos conta que desde os editores, passando pelos entrevistadores e pelos entrevistados, até os leitores, fazemos todos parte de uma “cadeia alimentar” cruel, onde anunciamos, professamos e perpetuamos verdadeiras histórias da carochinha.

Não, essa mensagem de final de ano não é pessimista ou tem o objetivo de trazer maus sentimentos, é apenas um balanço de tudo o que tenho para agradecer, por me ajudar a tomar consciência dos empreendimentos mentais e emocionais que tenho para o próximo ano, ou décadas. É uma mensagem de agradecimento à Inteligência Divina pela sutileza e impressionante complexidade com a qual tece os destinos da humanidade, revelando-nos a condição em que nos encontramos de forma poética e simbólica em cada evento. A Realidade com a qual nos deparamos todos os dias, de olhos abertos ou fechados, é esse grande oráculo da existência – basta aprendermos a interpretá-la.

A razão desta reflexão traz consigo o apelo para assumirmos responsabilidade por fazermos do ano de 2016, algo melhor em nossas vidas e na daqueles com quem compartilhamos a mesma jornada. Somente cada um de nós será capaz de dar um passo adiante, ninguém fará isso por nós, nem o governo, nem o chefe, nem o colaborador. Portanto, qual será o seu próximo passo?

Lembro-me de um comentário de um de meus mestres: “Eu sei como me comportar entre os bosquímanos do deserto do Kalahari. Mas eu não sei como me comportar nesse mundo ocidental em que vivemos!”. Bem, esse é o meu grande obejtivo para o próximo an: aprender a me comportar de uma forma mais humana, mais espontânea, mais natural – tanto quanto consiga avançar.

Para finalizar, gostaria de compartilhar uma pequena história que servirá para concluir meu raciocínio:

Há muitos anos li uma reportagem no jornal sobre uma profissional, crítica literária, que afirmava que sua vida começara aos quarenta anos… Essa afirmação pareceria lugar comum se, em seguida, ela não explicasse sua versão desta conclusão, que transcrevo a seguir, conforme minha memória permite.

Sua vida profissional constituía-se de ler, interpretar, criticar e comentar livros. No dia de seu quadragésimo aniversário, ao se encaminhar para sua biblioteca particular repleta de livros, parou na porta um pouco angustiada e olhou vagarosamente todas aquelas prateleiras repletas de livros, como se pudesse ver cada um dos milhares de livros que tinha… Fez uma avaliação rápida para saber o quanto já tinha lido de todos os livros que possuía. Chegou à dramática conclusão de que não tinha lido a metade! Isso sem considerar cada novo livro que chegava ao seu escritório todos os dias para ser lido e criticado. Então fez uma conta rápida e concluiu que tinha chegado ao que considerava ser a metade de sua vida profissional, imaginando que exerceria sua profissão até aproximadamente 80 anos.

Bem, tendo chegado à metade de sua vida profissional sem ter lido a metade de seus livros a levara a um grande impasse, repleto de angústia, dramático, consequência da constatação de que não seria possível ler todos os seus livros em toda a sua vida. Logo teria que escolher quais leria! Mas, como tomar uma decisão destas? Temporariamente sua angústia se tornou gigante, profunda e assustadora… O sofrimento existencial pemaneceu até que finalmente, depois de alguns dias, tomou uma decisão.

Levando em conta a impossibilidade de ler todos, decidira ler somente aqueles que lhe dessem prazer e satisfação. Se começasse um novo livro pouco interessante, abandonaria, pois devia haver tantos outros melhores. A partir de então sua profissão se tornou muito mais prazerosa, mesclada com sua vida em busca de satisfação.

E ela atribuía a isso a sua descoberta de que sua vida começara então, aos quarenta anos.

Desejo que o Destino possa proporcionar a cada um de nós aquilo que mais necessitamos e que sejamos capazes de reconhecer a magia e as maravilhas disso que podemos chamar vida nos próximos anos!

Boas Festas e Feliz 2016!

Walther Hermann Kerth

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