Reflexões de 2009

© Walther Hermann Kerth

Todos os anos, nessa ocasião, mergulho numa reflexão a respeito do ano que termina e do novo ciclo que se inicia, para avaliar resultados alcançados e pensar nos próximos passos, almejando materializar os sonhos que me guiam pela vida. Faço um balanço das conquistas, insucessos, aprendizagens e defino novos planos para continuar a caminhada. Especialmente neste ano de 2009, no qual o cenário mundial parece nos trazer um grande sentimento de incerteza, que muitos consideram crise e outros preferem tomar como oportunidades, minha reflexão, um pouco tardia, foi revigorante. Atrasada pois, em geral, acontece em novembro.

Há alguns anos percebi que muitas pessoas com quem convivi ou, que somente conheci, já não estão mais aqui conosco, apenas permanecem em nossa lembrança ou em nosso coração. Então concluí que estar vivo, depois de uma determinada idade, é uma verdadeira conquista! Desde então, passei a comemorar cada aniversário, não somente como uma benção ou privilégio, mas também como uma conquista! É uma oportunidade, renovada a cada dia, continuar minha jornada de aprendizado – e isso me traz um sentimento de profunda gratidão à Providência.

Junto com essa gratidão, ao longo dos anos em que venho aprendendo e estudando a vida com dedicação quase exclusiva, vem germinando uma grande perplexidade! Um espanto assombroso pela Inteligência e Complexidade com que é construída a realidade. Essa vida que está debaixo dos nossos narizes, todos os dias, e que mal prestamos atenção! Damos pouca atenção a ela por estamos profundamente envolvidos com nossos planos e fantasias a respeito do que consideramos importante. Como é sábio o mecanismo que nos faz envelhecer, enquanto gradualmente nos desprendemos do que é fútil e sem valor! A vida possui algo de milagroso e mágico…

Um desses encantamentos é o fenômeno de não alcançarmos apenas alguns de nossos sonhos, mas sim, muitas experiências jamais sonhadas ou planejadas – e que também são maravilhosas! Creio que eu não seria capaz de sonhar uma realidade tão surpreendente e maravilhosa. Isto é, se eu tivesse o dom de realizar tudo aquilo que fosse capaz de sonhar e planejar, penso que meu mundo seria extremamente árido e sem graça, pois minha mente condicionada pela minha pobre compreensão da realidade, somente é capaz de imaginar aquilo que aprendeu no passado, assim nunca haveria renovação!

Lembro-me ainda dos comentários de um promotor de cursos, há quase quinze anos atrás, quando organizou um desses workshops em finais de semana, sobre técnicas de mentalização e construção do futuro: “Metade dos participantes saíram melhor do que entraram no curso… Mas a outra metade saiu se sentindo muito pior!”. De fato, isso era de se esperar, pois as pessoas estabelecem como sonhos, em geral, aquilo que imaginam ser bom e certo para si mesmas, embora se esqueçam que esse juízo de valor também é adestrado! Há muito tempo atrás aprendi a tratar meus planos e objetivos com muita humildade, pois descobri anteriormente que muitas dessas conquistas me trouxeram algum sofrimento: ao realizá-los percebi que não me traziam a satisfação que imaginava encontrar ao alcançá-los. Foi quando, então, uma grande reverência pelo Destino projetado pela Providência começou a nascer dentro de mim.

Algumas de minhas maiores conquistas, pelas quais sou profundamente grato, nunca estiveram disponíveis em minha mente por puro preconceito ou ignorância! Outras por mágoas, medos, incertezas e dúvidas. Eu agradeço especialmente àqueles ‘troféus’ que nunca pude antever ou desejar, tanto os bons quanto muitos que considerei “ruins” e desgastantes, pois foram exatamente estes que me conduziram a algumas descobertas e aprendizados mais espantosos, graças aos quais pude reencontrar muitas sombras que mal podia perceber! Isso parece ser outra faceta dessa Inteligência que sustenta a realidade: uma dura e crua maestria que sempre nos aplica a prova antes da lição!

Depois de tantas vezes que reformulei minha compreensão do que é certo e do que é errado, hoje eu sou ainda mais comedido em meus objetivos. Embora eu seja muito ambicioso, medito muito antes de estabelecer um objetivo, e aceito qualquer desvio de rota a qualquer momento; sempre que minha consciência obtenha subsídios mais consistentes para reformular os planos. Mantenho sempre em mente quanto mal fui capaz de fazer em nome do que eu achava ser bom ou certo!

Em parte, a reflexão deste ano, nasceu do estudo e planejamento de um novo empreendimento, cujo risco me convidou a uma profunda reflexão e muitas consultas aos meus sentimentos, amigos e colegas. Um deles, ofereceu-me com muito carinho a indicação de uma vidente, de modo que eu pudesse investigar previamente as conseqüências de minhas escolhas e decisões… Porém lembrei-me de outra lição de vida do passado: eu nunca teria feito determinadas escolhas no passado se eu soubesse de antemão as dificuldades e sofrimentos que enfrentaria. Posteriormente, tendo sobrevivido a cada uma delas, aprendido com os erros e amadurecido com tais sentimentos, eu não seria capaz de imaginar outra jornada na qual abrisse mão de tão valiosos aprendizados, e sou profundamente grato ao fato de nunca ter sabido dos problemas antes! Além disso, se tudo tivesse saído como desejara anteriormente, eu não teria aprendido nada de novo! Seria tudo já conhecido… Tudo estaria sob controle! Assim aprendi a valorizar o descontrole.

Penso que os nossos sentimentos sejam as melhores ‘bússolas’ para nos guiar em nossas vidas. Também creio que não existe ‘bola de cristal’ melhor do que a Realidade. Isto é, as experiências que vivenciamos, do jeito que as experimentamos, nos mostram quais são os melhores caminhos a seguir… Ou será que a Providência que sustenta os Contextos em que existimos, desejaria que nós seguíssemos os caminhos de outras pessoas? Conforme diz Joseph Campbell, será que durante aquele julgamento final pelo qual tantos esperam, alguém nos perguntaria: “Fulano, por que você não viveu a sua vida como Cicrano?”. Não! Penso que a pergunta seria: “Fulano, por que você não viveu mais a sua vida como Fulano?”.

Para concluir, desejo ainda mencionar uma outra dimensão dessa reflexão que concorre para que prossigamos em nossa Jornada: trata-se da Origem… Sempre que estabelecemos novos planos, podemos investir muito tempo e atenção em planejar a rota que escolheremos para alcançá-los. Nem sempre, porém, lembramos que a rota depende de reconhecermos o ponto de partida. E, obviamente, o ponto de partida constitui-se da consciência do que somos, de quem somos e de onde estamos. Parece simples do ponto de vista do dia-a-dia, mas descobri que esse posicionamento me tomou mais de quarenta anos! Durante muito tempo eu não compreendia a razão de não alcançar determinados objetivos que pareciam tão simples e acessíveis…

De fato, a nossa compreensão de quem somos e onde estamos também é condicionada culturalmente: frequentemente trata-se de uma fantasia! Pois possuímos uma série de artifícios para manipular nossos sentimentos e sensações e, assim, obscurecer a nossa ‘bússola’ que nos guia pela vida! Cada vez que nos controlamos e que rejeitamos alguns sentimentos, seja por otimismo, por preconceito ou por medo, guardamos ‘debaixo do tapete’ parte do nosso discernimento junto com tais sentimentos.

Lembro-me nesses momentos da pergunta que ouvi de um colega sobre o que eu considerava realidade: “Quando uma criança, à noite, vai para o quarto dos pais reclamando que existe um monstro debaixo de sua cama, ela está falando a verdade ou a mentira?”. A resposta adulta óbvia é que ela está fantasiando, mentindo ou iludida pelas suas fantasias… Mas há uma outra realidade mais profunda, que mesmo nós, os adultos, reconhecemos: as crianças, antes de terem se rendido àquilo que chamamos de educação, são muito sensíveis, honestas e espontâneas. Então, mesmo que consideremos seus monstros como fantasias, em alguma dimensão de realidade tais monstros existem, isto é, as crianças falam de uma verdade psicológica. Sim, elas são sensíveis e capazes de perceber e sentir os dramas de suas famílias: o medo, o sofrimento, a dor, a angústia, a mágoa, o ressentimento, a ausência, a violência e outras sombras mais que, não sabendo de onde vêm, animam as suas fantasias de monstros e fantasmas! Pois não sabem e nem podem lidar com eles, já que são crianças, embora tais monstros pertençam às memórias de suas famílias, de alguma estranha forma, conscientes ou não. Imersas em tais “úteros emocionais”, com frequência se apropriam de tais sentimentos por não imaginarem que não precisam, necessariamente, se responsabilizar por eles. É quando uma criança inconscientemente, por amor, assume para si, lidar com as sombras de sua família ou seu grupo social.

Se nos lembrarmos de nossa origem, talvez concordemos que somos sobreviventes e, há muito pouco tempo atrás, nossos ancestrais eram bárbaros, vítimas, conquistadores, povos vencedores e vencidos. Não faz muito tempo, nós mesmos, nossos pais ou antepassados viveram realidades extremamente duras: guerras, atrocidades, vinganças, sofrimentos insuportáveis, medos incontroláveis, e inúmeras outras experiências que ficaram guardadas em nossa memória genética, familiar ou coletiva. O fato de ignorarmos ou escondermos tais memórias e sentimentos não os torna menos fortes… Mas nós aprendemos a não falar sobre eles, nós aprendemos a escondê-los ou simplesmente a dizer que já passaram. E, de fato, muitos deles passaram e já foram suficientemente pacificados.

Porém há muitos desses sentimentos que continuam vivendo como monstros e fantasmas mesmo para os adultos, porém quase invisíveis e, no entanto, manifestam-se nos momentos cotidianos mais inesperados: as inseguranças, a tristeza inexplicável, a depressão, a ansiedade, os sentimentos profundos de injustiça, o perfeccionismo doentio e a intolerância, a expectativa de que os outros lhes devem algo, os rompantes de raiva, a vingança, e tantos outros que somente nós, os adultos, somos capazes de nomear. É verdade, quantos de nós não trazem dentro de si mesmos tais sombras e insistem em ignorá-las, somente porque aprendemos muito bem a lição de construir para nós uma fantasia de que está tudo muito bem.

Falar sobre tais assuntos nessa data parece indevido se pensarmos nos sentimentos que são despertados, mas creio que seja apropriado se lembrarmos que mesmo tais sentimentos podem nos mostrar quais podem ser os nossos próximos objetivos mais valiosos a serem atingidos: a integração, a sublimação ou o aprendizado com cada um deles – o amadurecimento que nos permite tomar-lhes como pedras e fazer delas um grande castelo, tal qual disse Fernando Pessoa. Porém, essa Inteligência Maior não exige que nos ocupemos conscientemente disso e nos permite lidar com eles durante nossa caminhada de realizações e buscas de sonhos e objetivos.

Não creio que exista mal ou problema algum em tratarmos do assunto e lidarmos com tais sentimentos, pois eles são o resultado de um longo processo evolutivo do qual apenas fazemos parte e, tal qual nossos pais, buscamos fazer o melhor possível para seguirmos adiante nesse lento amadurecimento da humanidade, à medida que passam as gerações e nós vamos purificando a essência humana.

Assim, por mais dramático que seja ou tenha sido o relacionamento entre pais, filhos e irmãos, há uma dimensão disso que nos permite responder àquelas perguntas: o que somos, quem somos e onde estamos. Inconscientemente, quer aceitemos isso ou não, carregamos dentro de nós, em cada célula, uma memória genética de cada um de nossos pais… Portanto permanecemos sensíveis às suas características, sentimentos, sonhos e hábitos. Talvez isso justifique o fato de sermos tão iguais a eles. Trazemos tudo o que consideramos bom e também o que consideramos de ruim… E quanto mais formos gratos, honrarmos e aceitarmos isso, mais longe podemos caminhar em direção aos nossos sonhos, pois temos a percepção inconsciente das respostas àquelas perguntas: sabemos quem somos e de onde viemos. Somos uma versão modificada, um pouco mais atualizada… Porém, quanto menos aceitamos isso, mais parecidos nos tornamos com aqueles que rejeitamos, mantendo-nos desconectados do nosso potencial criativo inconsciente armazenado em nossas células.

Quando lembramos que nós somos apenas um elo nessa corrente da Criação da qual fazemos parte, e que parece caminharmos para a construção de um mundo melhor, embora venhamos de épocas sombrias ao longo de centenas de gerações, fica mais fácil sermos gratos pela oportunidade de vivermos e, do jeito que podemos, quem sabe tenhamos alguma liberdade e permissão para contribuir com algo, quer seja a passagem do nosso legado para as próximas gerações ou a realização dos sonhos que imaginamos serem nossos.

Boas Festas,

Com carinho,

Walther Hermann, Viviani Bovo e Equipe do IDPH

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