O que faz o amor dar certo: Autoconhecimento

© Liliane Oraggio e Fernando Eichenberg

Amar e ser amado é o que todos desejamos do berço à velhice, mas nem sempre o caminho está aberto para viver o mais básico dos sentimentos. Segundo Bert Hellinger, teólogo e terapeuta alemão, há como desemaranhar os laços afetivos e refazer o fluxo do amor com mais consciência e menos ilusão.

“É suficiente ter um bom parceiro, não precisa ser perfeito, pois o que é perfeito não se desenvolve, já está pronto. A imperfeição é estimulante e permite às duas pessoas crescerem juntas”, defende o terapeuta alemão Bert Hellinger, 78 anos, autor do livro Para que o Amor Dê Certo (Ed. Cultrix). Há mais de três décadas ele trabalha fazendo atendimentos individuais e para casais e, baseado nessa vasta experiência, sistematizou o método chamado constelações familiares, que busca primeiramente restabelecer o fluxo do amor entre pai, mãe e irmãos para depois rever os laços com parceiros amorosos (veja boxe nas próximas páginas).

Bert desfaz qualquer imagem de amor baseada em ilusões – ele acredita que esse sentimento pode se expandir na medida em que reconhecemos e agradecemos o que cada relacionamento acrescentou a nossa vida.

O desejo de amar e ser correspondido é universal, por isso o método de Bert não encontra barreiras culturais e desperta interesse em países muito diferentes. Ele freqüentemente trabalha na Europa, Japão, China, México, Colômbia, Nicarágua, Canadá e Estados Unidos e atrai grandes platéias. “Há poucos dias, estive na Áustria, e 1,2 mil pessoas vieram me ouvir. Gosto de partilhar minhas descobertas. Nos livros, escrevo que o amor deve ser trocado, deve ser dado e recebido todo o tempo. Dar e receber é um ótimo equilíbrio”, disse ele em entrevista a Bons Fluidos, no intervalo de uma de suas inúmeras viagens.

Em paz com o passado

Em sua terapia do amor, Hellinger coloca como imprescindível reconhecer a aceitação do afeto experimentado em relações anteriores: um novo amor só poderá ser bem-sucedido se houver o reconhecimento de tudo o que nos foi dado pelos demais relacionamentos. A primeira relação amorosa tem influência sobre todas as outras, constata. Segundo o terapeuta, a rejeição consciente ou inconsciente de amores passados bloqueia a força de um novo amor. “Se você amar alguém depois, não poderá agir como se não tivesse vivido outro amor antes. Se aceitar o que viveu, com respeito aos antigos parceiros, as próximas relações poderão ser mais enriquecedoras do que se você for vivê-las como se fosse a primeira.”

Individualidade

O respeito do espaço de cada um é outro aspecto fundamental para o sucesso de um relacionamento, assinala Hellinger. Não por acaso, ele diz que para amar é preciso aceitar duas solidões, a sua própria e a do outro. “Numa relação deve haver respeito por segredos. Só assim ela terá uma chance. É ridículo querer que se conte tudo ao outro. Se houver respeito pelos segredos, as pessoas acabarão revelando espontaneamente coisas importantes. Mas não se pode agir como um intruso na alma da outra pessoa, mesmo que o relacionamento seja duradouro.”

Sexo é essencial

Além do amor e da disponibilidade para a convivência, o terapeuta cita o sexo como o terceiro elemento essencial na relação de um casal. “É a base de tudo. É fácil encontrar alguém, ir para cama com ele e, na manhã seguinte, não saber o que fazer. Você não sente amor, vocês não vão ficar juntos, é somente sexo.” Segundo Hellinger, para ser completo, o sexo tem de ser aprendido, exercitado e combinado ao amor. “Muitas vezes, quando as pessoas fazem sexo, fecham os olhos. Elas não estão realmente em contato com o outro, não mais do que consigo mesmas. Não tenho nada contra, mas, quando o amor também atua, as pessoas são capazes de ficar juntas e partilhar uma vida comum, o que é algo bastante diferente”, nota.

Laços de família

Os primeiros laços de amor são atados na família, e Bert Hellinger sustenta que todos os familiares estão ligados por uma “grande alma comum”. Essa “consciência coletiva comum” é transmitida por sucessivas gerações, em uma corrente de influências, incluindo experiências dolorosas vivenciadas pelo grupo.

Segundo ele, toda terapia deve trabalhar com a fonte e, para cada pessoa, a fonte primeira são os pais. “Quem está separado afetivamente de seus pais está separado de sua fonte”, resume. Por isso, Hellinger não aceita nenhuma queixa aos pais em seu trabalho terapêutico. “Você pode olhar para seus pais de diferentes formas. Durante sua infância, podem ter ocorrido experiências dolorosas, que provocaram certos ressentimentos e até afastamentos. Mas seus pais não são melhores ou piores do que os outros. Aliás, pais perfeitos são os piores. O crescimento só poderá ocorrer com certas resistências e dificuldades. Quando um paciente reclama de seus pais, está fazendo-os responsáveis por sua própria incapacidade”, nota.

**Felicidade existe? **

Mesmo tendo construído uma teoria estabelecendo determinadas leis comuns a todos os relacionamentos, Bert Hellinger define sua terapia como empírica, baseada na observação e na experiência. Ele diz não ter um diagnóstico global ou uma fórmula mágica para fazer com que o amor dê certo. Cada caso tem características únicas.

Hellinger conclui: “Não há um modelo a ser seguido para alcançar a felicidade. Existe a felicidade das crianças, que brincam esquecidas de si mesmas, ou dos apaixonados. Tudo isso é muito bonito. Mas, nesse sentido, realização não é felicidade. É estar em harmonia com a grandeza, mas também com o sofrimento e com a morte. Isso possibilita um reconhecimento profundo, dá peso e serenidade. É algo bem tranqüilo. É a felicidade como conquista. E não tem a ver com ficar esquecido. Tem a ver com a força interior”.

Tudo começa na família

Muitos dos problemas de relacionamento (do casal e com os filhos) que acontecem no presente, na verdade têm a ver com laços familiares antigos, com a forma como nossos pais, avós, bisavós lidaram com a exclusão, a doença, a morte ou o esquecimento de entes muito próximos. Essa é a base da terapia das constelações familiares, resultado da experiência e da observação do alemão Bert Hellinger em seu trabalho de atendimento individual e a casais durante mais de três décadas.

**Como acontece a sessão **

Primeiro, o paciente coloca a questão que quer resolver e escolhe pessoas do grupo para representar seus pais, irmãos e outros membros da família. “O paciente fica de fora e tem a oportunidade de observar a situação de conflito que determinou o bloqueio do amor. Por exemplo, a morte de um irmão mais velho foi tão dolorosa para os pais que eles esqueceram o fato e ao mesmo tempo superprotegeram o filho menor. Claro, isso é feito por amor, mas impede que a dor da perda seja transformada e que o filho mais novo possa ser livre para viver sua história, sem que ela seja condicionada à perda”, explica Mimansa Erika Farny, alemã radicada em Goiás, discípula direta de Hellinger e responsável pela introdução das constelações familiares no Brasil em 1997.

“Os participantes respondem a perguntas simples do terapeuta. Elas revelam a raiz do problema sem interpretá-lo. Assim os papéis familiares são reposicionados seguindo uma ordem em que o amor possa fluir livremente, em que cada um retome seu lugar. O trabalho não é focado em questões psicológicas, mas nos padrões de comportamento gerados em determinado sistema familiar”, completa Renato Shaan Bertate, médico paulista, especialista nessa linha terapêutica.

Segundo as constelações familiares, há uma ordem do amor que favorece o fluxo afetivo harmonioso – que de tão simples fica difícil cumprir na prática. “O vínculo do casal tem prioridade sobre o vínculo com os filhos. Os pais cuidam dos filhos e não o contrário. Se houver filhos de outros casamentos, eles devem ser reconhecidos. Se, por exemplo, homem e mulher esquecem seus papéis para serem apenas pai e mãe, o casamento enfraquece e o amor não flui plenamente”, explica Mimansa.

As sessões são feitas em workshops nos fins de semana. A resposta a cada questão pode durar de 15 minutos a duas horas e não há a necessidade de acompanhamento posterior. “A redefinição dos papéis e as mudanças necessárias acabam acontecendo de forma natural e beneficiam todos os envolvidos afetivamente na história”, conclui Renato.

A reverência essencial

Cultivar reconhecimento e gratidão – a pais, antepassados e parceiros anteriores – é fundamental para que o amor do presente dê certo. Renato Bertate, especialista nessa linha terapêutica, propõe um exercício que aumenta a consciência sobre a harmonia ou desarmonia nos relacionamentos.

“Feche os olhos e imagine seu pai e depois sua mãe. Perceba quais os sentimentos que surgem nesse momento e se você pode reconhecer o que eles fizeram de bom, respeitá-los e agradecer. Se isso causar uma sensação boa, a relação é sadia. Se provocar angústia, é sinal de que há algo a ser transformado. Apenas o exercício não é suficiente para realizar o processo, mas repeti-lo ajuda a aumentar a disposição para a aceitação e o amor”, conclui o médico.

Bert Hellinger, teólogo e terapeuta alemão

Saiba mais sobre o assunto em Constelações Sistêmicas

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