Estados de Confusão

© Walther Hermann Kerth

A confusão mental é culturalmente considerada um dos estados mais desconfortáveis em que uma pessoa pode entrar. Pode ser até mesmo razão de internação de alguns que permaneçam muito tempo neste estado ou entrem nele muito profundamente.

No entanto, talvez ainda não tenhamos explorado suficientemente os seus benefícios… É evidente ser mais fácil falar sobre este assunto quando temos nossa mente clara e cristalina. Porém é também útil tratarmos disso nessas fases de vida de grande discernimento, para sermos capazes de enfrentar com serenidade as transições de fase, quando ficamos naturalmente confusos.

Vamos tratar desse assunto de uma forma bem prática…

Faça uma pequena lista das decisões mais importantes que tomou em sua vida! Aquelas em que os conselhos das pessoas não ajudavam muito e que, olhando para seu passado, não era possível encontrar alguma referência que o ajudasse a decidir. Algumas dessas decisões, às vezes, nos tomam semanas, meses ou até mesmo anos para serem concluídas! Não me refiro àquelas decisões que tomamos diariamente, já condicionadas, mas sim, àquelas outras em que temos algumas escolhas e, diante de tudo o que já vivemos, não temos certeza do que queremos ou para onde vamos. Em geral, as pessoas talvez tenham umas poucas dessas decisões tão importantes em suas vidas inteiras, pois muitas costumam seguir as regras e expectativas sociais que lhes determinam como se comportarem e o que decidirem.

Agora, para cada escolha ou decisão importante que você anotou, lembre-se dos sentimentos e pensamentos que tinha antes de concluir a sua decisão. Anote-os numa folha de papel. Quando faço esse exercício em meus cursos, em geral as respostas incluem as seguintes percepções: medo, ansiedade, mal estar, insônia, falta de apetite, tristeza, tensão, insegurança, dúvida, estresse, expectativa, impotência, agitação, desorientação, pressão, temor, etc. Várias percepções que culturalmente são consideradas inadequadas! Por isso, muitas pessoas buscam ajuda nesses momentos, eventualmente aceitando tomar medicamentos que as livrem de tais sentimentos considerados “ruins”.

Em seguida, faça uma outra lista que contenha os sentimentos e sensações experimentados a partir do momento em que você, finalmente, chegou a uma conclusão e tomou a decisão importante pendente. Via de regra, os comentários dos meus clientes são parecidos com os seguintes: alívio, alegria, satisfação, excitação, calma, relaxamento, energia, vitalidade, realização, confiança, poder, direcionamento, serenidade, etc. Evidentemente, alguns deles, quando concluem que suas decisões não foram as melhores, também reconhecem alguns sentimentos e sensações de insucesso, fracasso ou insatisfação.

Quando entrevistamos alguns grandes cientistas, artistas, filósofos e poetas, quase todos eles reconhecem passar por estados de grande tensão e desconforto quando estão dentro do processo criativo. Alguns deles ainda notam que os seus melhores e mais revolucionários trabalhos foram antecedidos por momentos de grande sofrimento, depressão, desilusão, etc.

Imediatamente após esses momentos terríveis, infernais, emergem com suas mais surpreendentes criações! De uma forma mais cotidiana, todas as pessoas que queiram tomar decisões realmente importantes experimentam tais visitas aos infernos, isto é, grandes sofrimentos. Esta etapa que antecede as mais sublimes criações é, na verdade, um processo de desestruturação de convicções, crenças, certezas e modelos de pensamento e sentimento. Isso acontece porque muitas delas estão tão arraigadas aos nossos hábitos que ficam “cristalizadas” em nosso sistema nervoso.

Assim, prefiro denominar tal fase sofrida do processo criativo humano de CONFUSÃO, em vez de atribuir-lhe aqueles nomes ruins considerados inadequados (medo, ansiedade, mal estar, insônia, falta de apetite, tristeza, tensão, etc.). Isso porque a equação do processo criativo profundo parece ser:

Desestruturação de nossa forma de ser antiga ===> fertilização da mente ===> criação de algo realmente novo!

Se você chegar a esta mesma conclusão, então reconhecerá que todo o processo criativo profundo é antecedido por uma fase de desorganização do que era antigo e incompatível com as novas necessidades, isto é, um estado de grande confusão. Ao dar esse nome para todos aqueles sentimentos considerados negativos, tornamos todos eles aceitáveis como parte da CRIAÇÃO ou da tomada de decisões realmente importantes.

Se, no entanto, temos o hábito de acreditar que devemos nos sentir bem todo o tempo, talvez queiramos evitar as fases de desorganização necessárias para dar andamento ao processo criativo profundo. Ao evitarmos tais sentimentos, seja por sermos muito otimistas ou por tomarmos medicamentos que os eliminem, estaremos com isso ABORTANDO o processo criativo! Pois é exatamente a tensão e o desconforto dos estados de confusão que nos impelem a criar novas possibilidades em nossas vidas!

De uma forma geral, todos os seres humanos vivenciam o processo criativo profundo, isto é, não somente os grandes cientistas, artistas, poetas e filósofos.

Diziam no passado, que quanto maior fosse a edificação que você desejasse construir, mais profundas deveriam ser as fundações! No pensamento religioso, poderíamos ainda abstrair que quanto mais alto nos céus você deseja chegar, mais profundamente deve visitar os infernos!

Em geral, quando mudamos de uma fase de vida para outra, frequentemente passamos um período de desorientação, quando aquilo que sabíamos e fazíamos na fase anterior não se encaixa mais a uma nova forma de ser que se adeque a novos papeis e contextos de vida. Nas transições entre infância, adolescência, juventude, maturidade, velhice, ou quando casamos ou divorciamos, iniciamos a vida profissional ou nos aposentamos, no nascimento ou morte de algum ente próximo, mudanças de cidade ou de área profissional, enfim, em todos os momentos nos quais deixamos uma forma de ser para dar lugar a outra nova.

Perceba que os estados de confusão são apenas a outra face da moeda do processo criativo. Se abortarmos aqueles sentimentos que aos quais damos maus nomes, automaticamente estaremos abortando todo o processo criativo!

Da próxima vez que ele se apresentar, tenha a coragem e respeito pela inteligência do processo criativo inconsciente e não evite os maus sentimentos… Eles são apenas o desintegrar das antigas formas de ser e agir que já não servem para essa nova etapa de vida! Constituem a morte de velhas formas de ser! A confusão é um poderoso estado de desestruturação de condicionamentos antigos e funciona como a terra revolvida (arar a terra para arejar e tornar mais fértil) no plantio (é da confusão que nasce o novo).

A confusão é com frequência utilizada propositalmente em processos terapêuticos quando, tanto paciente quanto terapeuta, intencionam alguma mudança de hábitos ou comportamentos indesejados.

Portanto, o processo de demolição ou destruição de velhas formas de ser é necessário para dar lugar às novas. Ele é tão valioso quanto as capacidades de elaboração ou de estruturação. Observamos isso a cada revolução científica. Você notará que os predecessores de cada nova grande descoberta devem colapsar o seu conhecimento antigo para dar lugar ao novo!

Para se construir o novo é muitas vezes necessário destruir o antigo, quando o primeiro deve substituir o segundo e não seja possível a convivência simultânea deles.

Enfim, a confusão é tão valiosa quanto compreensão, reservados os contextos adequados para cada um! Assim dizia Milton Erickson: “Em toda vida deve entrar um tanto de compreensão e outro tanto de confusão!”.

Comentários:

Luiz Alipio Carvalho Pereira

Achei muito interessante este artigo, pois, me percebo em muito momentos, envolvido e neste estado de confusão, o qual, até o momento, vinha gerando muito desconforto na minha vida por eu não entender a sua função.

Fernando Padilha Dos Reis

A partir de agora aprender a lidar de maneira correta com os sentimentos gerados pelo processo de mudança!

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