Permissão e disponibilidade interior para o estudo: Constelação Familiar na Escola

© Viviani Bovo e Walther Hermann Kerth

Sinopse

Uma rápida reflexão sobre o desempenho escolar de crianças que não apresentam resultados satisfatórios, apesar de todo o esforço aparente dos pais em ajudá-la. Será o estudo o que mais importa a elas?

Contexto

Nosso modelo lógico, racional e mecanicista do comportamento humano nem sempre explica porque as pessoas, mesmo diante das melhores circunstâncias não expressam as suas melhores opções. De fato, a “lógica” dos seres humanos é muito mais complexa que a aritmética simples na qual um mais um é igual a dois.

Ao tratar desse assunto, lembro-se sempre de um exemplo aprendido ainda no ensino fundamental em minhas aulas de Geografia… Era a descrição de uma situação vivida pela colônia de agricultores do Vale do Paraíba que, na época, vivia o problema das picadas de cobras em suas plantações. Eles utilizaram a lógica causal simples: “Se os problemas são as picadas de cobras, eliminemos as cobras!”. Contrataram uma empresa especializada para fazer o serviço… Após alguns meses aconteceu algo que não previam. Ao eliminarem as cobras, a população de roedores cresceu assustadoramente que, por sua vez, alimentava-se dos cereais que os agricultores produziam, isto é, a produção começou a cair significativamente, além da proliferação de algumas doenças transmitidas pelos ratos!

Creio que a essa altura você já possa imaginar o que aconteceu… Sim, tiveram que comprar e importar cobras de outros países para repovoar a região. A solução de longo prazo foi a compra de botas mais altas para proteger os agricultores.

Dessa forma, quando pensamos em soluções para

Artigo

Muitos conflitos entre pais e filhos sobre o desempenho escolar não levam a resultado positivo algum. Muitas vezes por falta de conhecimento dos pais do que está por trás do “aprender”.

Iniciamos esse assunto no artigo com o título “Seu filho vai bem na escola?”, onde mencionamos alguns dos pilares do aprendizado: conteúdo, metodologia e estratégias. Porém alguns alunos, mesmo tendo acesso e apoiando-se nesses pilares não conseguem bom desempenho escolar. Assim, ainda resta a pergunta: “O que falta?”.

Em alguns casos de alunos com os quais trabalhamos e estudamos, percebemos que falta uma disponibilidade interna para o estudo e/ou uma disposição para tratar de assuntos escolares. Isto é um assunto sério e profundo, pois muitas vezes está ligado a traumas da própria criança ou do sistema familiar onde ela vive.

Externamente a criança parece levar uma vida normal, o que faz com que seus pais acreditem que o baixo desempenho escolar seja preguiça de estudar, falta de prestar atenção na aula, desinteresse pela escola, essas coisas que costumeiramente ouvimos. Porém quando paramos para olhar de perto tal realidade, notamos que mais profundamente a criança possui nenhuma das razões acima citadas.

Muitas vezes a criança está “congelada” em algum momento traumático e não tem espaço ou disponibilidade para mais nada, toda a atenção e energia da criança está focada neste tema do trauma. Algumas vezes não é a criança diretamente que vivencia o trauma e sim alguém de seu sistema, a quem ela ama muito e por isso entra em ressonância com essa pessoa, identificando-se com a situação traumática e empaticamente carregando esse destino ou esse trauma no lugar da pessoa amada ou buscando desviar a sua atenção do mesmo.

Isso tudo acontece de forma inconsciente, por isso não é tão facilmente identificado. Vou exemplificar para enriquecer o entendimento!

Se em uma família um pai ou uma mãe tem uma dor profunda, por exemplo, a dor da perda de um ente muito querido, como um filho, um irmão, ou mesmo, perdeu seu próprio pai ou mãe muito cedo, essa dor pode consumir toda a atenção inconsciente dessa pessoa, a ponto de secretamente ela as vezes até pensar assim: “Seria melhor eu ter ido junto (morrido) com você” ou “Seria melhor eu ter ido (morrido) em vez de você”. Esse tipo de fala ou pensamento inconsciente secreto mantém um sentimento de dor na “aura emocional” da família. Mesmo que ele nunca seja dito ou admitido para os outros membros da família, é transmitido ou comunicado de alguma forma… Todos sentem a atmosfera de melancolia ou tristeza. Todos percebem aquela pessoa desatenta, com atenção vaga como se ela vivesse meio ausente, mesmo que não tragam isso claramente para consciência. Não sabem o que acontece, mas sentem o peso dos sentimentos de sofrimento.

Em resumo, por amor, algum outro membro dessa família poderá tentar consolar esse sofrimento de uma forma solidária compartilhando-o; ou pela longa convivência com essa atmosfera de dor, mesmo que inconsciente, um membro mais jovem poderá decidir se apropriar de tal sentimento, pensando que lhe pertence (pois convive com ele desde a infância) e vivendo, portanto, um destino semelhante.

Não é tão difícil reconhecer tais dinâmicas na prática. Se alguém numa família mantém algum sentimento de tristeza, dor, ressentimento, mágoa, raiva, depressão, angústia, etc., inexplicáveis, essa pessoa pode, graças à memória das células e ao processo de identificação explicável através da teoria dos neurônios espelho, estar manifestando conteúdos emocionais e sentimentos pertencentes a outras pessoas.

As crianças, que são as mais sensíveis do sistema, sentem isso de uma forma ainda mais intensa. Como amam muito seus pais, não podem e não querem deixar que os pais decidam “partir”, por isso colocam toda sua energia interna focada neles, no pai ou mãe que tem esse sentimento, como que se cuidassem deles vinte e quatro horas por dia, sem descanso, porque, caso se distraiam, correm o risco de perdê-lo(a)!

Isso é comum observar em famílias nas quais as crianças parecem “cuidar” dos pais ou controlá-los. Também acontece quando as crianças dão muito trabalho, absorvendo toda a atenção dos pais, assim eles não terão tempo para se dedicarem a essa dor ou a essa decisão, permanecendo distraídos ao acudir as demandas da criança. Algumas das formas de dar muito trabalho aos pais são: ser hiperativo, apresentar muitos problemas escolares, doenças, envolver-se com drogas, brigas frequentes, etc.

Com essa energia toda focada nesse tema de forma inconsciente, para todos os envolvidos, como a criança poderia ter disposição e disponibilidade para outras coisas? Para estudar, por exemplo? Não é possível, pois não sobra energia para isso. Além disso, a escola não é tão importante quanto sua necessidade inconsciente de manter algum dos pais em vida ou solidarizar-se com eles em seu sofrimento.

A criança e os pais então devem primeiro olhar para isso, de forma que tal assunto possa ser resolvido, para que a criança possa se sentir segura e ser liberada dessa “prisão” emocional. Somente assim será possível criar um novo espaço para ela poder focar-se e dedicar-se às coisas de sua própria vida, como os estudos por exemplo.

Esse estado de confinamento pode ser comparado a uma “bolha” onde a pessoa fica confinada com um único e poderoso foco de atenção: o tema ou o “trauma”, sejam eles do passado ou a perspectiva de futuro! Para ela sair dessa “bolha” existem muitas técnicas terapêuticas que podem ajudar. Independente de qualquer que seja a escolhida, o objetivo básico é trazer movimento ao estado de confinamento (congelamento), pois somente após conseguirmos esse movimento será possível apresentar os novos caminhos disponíveis para ela.

Metaforicamente falando, imagine essa pessoa como alguém que gostaria de chegar a algum lugar, mas tem em suas mãos um aparelho GPS que a levou a uma rua sem saída e neste momento ela se encontra de frente para um muro. Todas as outras pessoas a sua volta possuem outros aparelhos GPS, que estão com uma versão mais atualizada daquele mapa e que mostra várias saídas dessa rua. Essas pessoas então ficam o tempo todo dizendo para ela: “Vai, anda, sai daí”, “Será possível que você não é capaz de andar para frente”.

Não! Ela não vê a saída no seu GPS, não percebe, pois seu GPS usa uma versão “congelada” com um muro na sua frente.

A ajuda eficiente fará com que, primeiramente, o GPS dela receba uma versão atualizada, assim ela poderá dar um pequeno passo adiante, movimentando-se, sentindo-se livre. O passo seguinte é mostrar os caminhos disponíveis para ela, pois agora sim pode seguir adiante, escolhendo um deles!

Quando uma criança passa por esse processo de liberação e “cura” ela fica disponível para ter sua vida de criança, para brincar e estudar livremente. Com isso seus resultados serão muito diferentes dos que aqueles até então obtidos.

Leia mais sobre esse assunto no link **Constelações Sistêmicas**

Conclusão

Quando pensamos em soluções para problemas escolares, nem sempre devemos aceitar as explicações mais simples e aparentemente lógicas. Muitas vezes, as causas mais profundas devem ser abordadas para encontrarmos soluções mais duradouras e definitivas, as chamadas soluções sistêmicas. Dessa forma, frequentemente as causas reais do baixo desempenho escolar estão nos comportamentos e atitudes dos pais em relações às suas questões existenciais, cujo reflexo nos filhos os confundem ou enfraquecem sua disposição ou disponibilidade para os estudos.

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