Santa Ignorância

Por Rubens Queiroz de Almeida

Nos últimos trinta anos, produziu-se um volume de informações novas maior que nos cinco mil anos precedentes. Cerca de mil livros são publicados no mundo por dia e o total do conhecimento impresso duplica a cada oito anos
Peter Large The Micro Revolution Revisited

Passamos por uma fase curiosa na história da humanidade. Todos nós, praticamente sem exceção, julgamo-nos incompetentes de uma forma ou outra. Sentimo-nos intimidados pela quantidade enorme de informações existente à nossa volta e tentamos futilmente, sem resultado, através de mais e mais estudo, diminuir a nossa ignorância.

O problema é que tais sentimentos de inadequação, longe de contribuirem para nos ajudar a resolver o nosso problema, em muito o agravam. Quanto mais nos julgamos incompetentes menor a nossa capacidade de aprender. A imensidadão da tarefa, a nossa incapacidade de lidar com tanta informação nos reduzem a uma situação lamentável. Ficamos estressados, infelizes, nos rotulamos incompetentes e um sentimento de inadequação se apodera de nós.

O problema é não admitirmos que é impossível lidar com tanta informação. Ninguém pode. O problema não é apenas conosco, todos padecem da síndrome do excesso de informação, que já está se tornando uma doença de nosso tempo.

Precisamos admitir, em maior ou menor grau, que somos todos ignorantes. Mas isto não é algo ruim desde que saibamos lidar com este fato.

Para começo de conversa, não importa o que você faça, em um grau ou outro, você sempre será um ignorante. Ninguém nunca, de maneira alguma, poderá reinvindicar um conhecimento completo de qualquer assunto que seja. Este é o primeiro passo para a sua salvação e sanidade mental.

Em segundo lugar, a partir do momento em que você acha que sabe tudo, realmente não vai conseguir aprender mais nada. Afinal de contas, quem sabe tudo tem uma posição a manter, não pode ter dúvidas e também não pode errar. E quem não erra não aprende.

Alguns acham que sabem tudo, outros fingem. Já que não dá para saber tudo mesmo, nos transformamos em perfeitos farsantes. Muitos de nós, ao tomarmos consciência desta realidade aterradora, nos fazemos de entendidos. Nas conversas, tentamos identificar o momento correto de balançar a cabeça, sinalizando compreensão de assuntos sobre os quais não fazemos a menor idéia. Neste ponto estamos condenados em definitivo, pois quem sabe tudo, ou finge que sabe, não pode nunca fazer perguntas, pois corre o risco de ser desmascarado.

O que fazer então? Para começar, devemos praticar a seletividade. Eu tive um professor de inglês que um dia nos surpreendeu ao nos instruir a nunca ler livros bons. Todos ficamos surpresos com tal afirmação, ao que ele completou: apenas leiam os livros ótimos. Se a quantidade de informação é enorme, certamente nem toda ela é de qualidade. Concentre-se apenas no que for rotulado de excelente.

Mesmo assim ainda sobra muita coisa a ser assimilada. O importante então é ficar consciente de que vale muito mais saber onde a informação se encontra do que saber tudo (o que é impossível). Quando (e se) aparecer a necessidade de se resolver um determinado problema, temos todos os elementos para esclarecê-lo. Este tipo de conhecimento não se resume apenas nos conectores para a informação em si, mas também no conhecimento de pessoas com habilidades possam nos ajudar. Conhecer as pessoas certas é uma habilidade social e profissional de grande valor. Procure conhecer os que estão à sua volta, suas habilidades, seus gostos e principalmente suas necessidades, pois se muitas vezes você irá buscar ajuda, em outras poderá também ajudar, reforçando o vínculo com os que estão ao seu redor.

Admita a sua ignorância. Ao contrário do que se pensa, a maioria das pessoas gosta de ajudar quem precisa. Da mesma forma, a queda do arrogante é desejada e incentivada de forma ardente por muitas pessoas. A admissão da ignorância é de muitas formas libertadora, pois nos torna receptivos a novas experiências, a novos contatos, nos ajuda a enxergar o mundo de uma forma melhor e mais rica.

Neste ponto eu gostaria de contar uma história muito interessante, sobre o filósofo inglês Bertrand Russel. Uma vez lhe perguntaram se estava disposto a morrer por seus ideais. A resposta: “Claro que não, afinal de contas, eu posso estar errado”.

Não se sinta também superior a este ou aquele. Todas as pessoas podem ser nossos professores. Tenho também para ilustrar este ponto duas histórias maravilhosas. Em uma reunião de gerência de uma empresa que fabricava pasta de dentes, os participantes tentavam a todo custo descobrir uma forma de aumentar as vendas. Por mais que discutissem a solução não aparecia. Em certo ponto, o faxineiro, que observava tudo com atenção, pediu, timidamente, permissão para falar. Sugeriu: “Por que vocês não aumentam o tamanho do buraco do tubo?”. Simples, óbvio, mas ninguém havia pensado nisto.

A outra história diz respeito a uma prova de um curso de MBA de uma faculdade de renome nos Estados Unidos. A primeira questão exigia dos alunos que registrassem o nome do porteiro do prédio. A questão foi recebida com indignação pela maioria dos alunos, que não sabiam a resposta. Pensavam que era uma brincadeira, ao que o professor respondeu que era a questão mais importante da prova. Todas as pessoas são importantes e merecem ser respeitadas, independentemente de sua posição social ou educação.

Toda esta ansiedade causada pela síndrome do excesso de informação, nos faz esquecer como aprender. Lemos muito mas nos lembramos de pouco. A nossa ansiedade só faz crescer. A minha vivência em sala de aula, principalmente como professor de inglês, me forneceu diversas pistas valiosas sobre este processo. Ao lidar com adultos, para os quais o aprendizado do inglês era uma questão de vida ou morte, testemunhei muito que relatei nos parágrafos anteriores. A ansiedade em aprender, criada pelas pressões profissionais, tornava ainda mais difícil o aprendizado. O aprendizado de um idioma é ao mesmo tempo algo complexo e simples. Complexo por que não sabemos explicar como se processa e simples pelo fato de que quanto menos nos preocupamos com o formalismo e nos soltamos, mais aprendemos. Se erramos com freqüência, e não temos vergonha de nossos erros, aprendemos com mais rapidez.

O prazer e a alegria de aprender também é fundamental. Um de meus alunos tinha terríveis dificuldades para fazer as lições e memorizar as estruturas que tentavamos incutir em sua cabeça através de inúmeras repetições. Nesta mesma escola tinhamos algumas atividades extras que consistiam na filmagem dos alunos encenando diversas situações, uma espécie de teatro. Pois este mesmo aluno, que mal conseguia dizer uma palavra na sala de aula, se revelou como o mais desenvolto e engraçado da turma toda. Mas a atividade extra não contava pontos e o pobre aluno em certo momento desistiu de estudar inglês, pois não conseguia o desempenho que se esperava dele nas atividades formais de sala de aula e nos testes. O sistema também não era flexível o suficiente para se moldar ao potencial do aluno, que nas condições certas, se comunicava de forma surpreendente.

Para encerrar este artigo (por enquanto), gostaria de salientar os pontos principais:

  • Ninguém sabe tudo. Assuma sua ignorância e seja feliz com ela.
  • Aprenda sempre, com todos
  • Saiba filtrar o que realmente lhe interessa e lhe dá prazer
  • Não se preocupe. 90% das coisas que tememos não vão acontecer mesmo e os restantes 10% vão acontecer de qualquer jeito. Pergunte-se frequentemente: “e daí?” Faça o que for possível, aprenda o que conseguir e tente se divertir enquanto isto.

Santa ignorância não é um palavrão. É uma realidade bem-vinda.

One thought on “Santa Ignorância

  • 7 de maio de 2021 em 11:16
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    Que riqueza esse artigo! Facilmente me identifiquei com vários aspectos, para não dizer quase todos! Inspirador para facilitar uma vida sábia e leve! Agradeço imensamente!

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