Enxergando o Invisível

Por Rubens Queiroz de Almeida

Muitos anos atrás, eu comprei um Dodge Polara, fabricado pela Chrysler. O carro, mais conhecido como “doginho”, era bastante confortável. Pelo fato da Chrysler ter encerrado suas operações no Brasil, o carro não era mais fabricado e existiam muito poucos modelos deste tipo circulando pelas ruas. Era muito difícil vermos estes carros.

Incrivelmente, depois que eu comprei o doginho, passei a ver modelos iguais por todos os lados. Parecia que eles haviam brotado das profundezas. Como é possível?

Não existe nada de estranho nisto. Nós recebemos muito mais estímulos visuais do que somos capazes de processar. Eu não enxergava os doginho porque eles simplesmente não tinham relevância em nenhum aspecto da minha vida. Quando comprei um tudo mudou. O carro passou a fazer parte da minha vida, e desta forma, passei a notá-lo.

Como professor, habituei-me a buscar em meus alunos sinais que indicassem a efetividade de minha comunicação. Cansaço, aborrecimento, resistência, antagonismo, e muitas outras emoções, são expressas de maneira muito clara. São sinais que o professor deve estar constantemente buscando, para que possa adequar seus métodos e conseguir estabelecer uma comunicação mais adequada com seus alunos.

Pessoas não ligadas ao ensino (e até mesmo muitos professores) são em muitos casos alheios a estas manifestações. Eu tive a sorte de perceber, muitos anos atrás, a importância de entender estes sinais, e me dediquei de corpo e alma a este aprendizado.

Muitos acreditam que a criatividade é um dom divino. Ou temos ou não temos. Surpreendemo-nos com soluções geniais para diversos problemas que simplesmente parecem brotar do nada. Idolatramos os criativos e nos lamentamos por não ser como eles, ou ainda, por não termos sido contemplados com tal dádiva dos céus.

Os dois exemplos que citei anteriormente servem para mostrar que a nossa percepção pode ser direcionada. Se consegui um dia enxergar na rua mais carros de um determinado modelo ou se consegui ser mais bem sucedido nas minhas aulas, certamente não foi devido a um raio que rasgou os céus e subitamente clareou a minha compreensão.

O primeiro passo a ser dado para conseguir um melhor desempenho em qualquer área é o despertar do interesse. Neste momento passamos a enxergar o invisível. Isto entretanto não é tudo. O segundo passo, e o mais importante, é evitar comparações com profissionais mais experientes e bem-sucedidos. Neste ponto nos lamentamos de não termos recebido o tal dom divino, nos convencemos de que nunca vamos aprender e por aí vai. Este é o obstáculo mais perigoso. Quando nos convencemos da nossa incapacidade, é claro, nos tornamos incapazes. O pior de tudo é que, muitas vezes levamos esta crença a outras pessoas: nossos filhos, companheiros, amigos. Você certamente já deve ter vivenciado diversas vezes em sua vida este tipo de encorajamento negativo.

Devemos certamente evitar comparações que nos limitem. Entretanto, devemos nos dedicar com todo empenho a observar profissionais bem-sucedidos para aprender com eles. Não existe nenhum problema com isto. Todos aprenderam com alguém. O mundo não começa do zero a cada geração que se vai. Os profissionais mais bem-sucedidos são exatamente aqueles que possuem a sensibilidade de captar no ambiente e nas atitudes e comportamento dos que o cercam, informações que possam ajudá-lo a desenvolver suas competências.

Quanto mais estivermos atentos, no mundo em que vivemos, às coisas que nos interessam, mais desenvolveremos a habilidade de enxergar o invisível. Esta habilidade é que nos dará a aura de mágica, de criatividade.

Para ilustrar o meu último ponto, gostaria de usar uma pequena piada:

P. Você sabe o que o Tarzan disse quando viu o elefante em cima do morro?

R. Olha o elefante em cima do morro!

P. Você sabe o que o Tarzan disse quando viu o elefante em cima do morro usando óculos escuros?

R. Não disse nada, ele não o reconheceu.

Quando é feita a primeira pergunta ficamos surpresos. Qual é a pegadinha? Quando vem a resposta achamos engraçado e ficamos a um só tempo indignados e divertidos. A resposta para a segunda pergunta é claramente inusitada. Quase todos respondem a segunda pergunta da mesma forma que a primeira: “Olha o elefante em cima do morro usando óculos escuros”. A primeira resposta induz a segunda.

A experiência é válida, mas sempre devemos desconfiar dela. Sempre tentamos procurar soluções para problemas novos tomando por base as soluções velhas. Em certos casos isto pode não ser suficiente. A partir do momento em que nos recusamos a olhar o mundo todos os dias de uma ótica nova, sabendo que temos muito a aprender, começamos então uma decadência gradual e irreversível.

Para podermos criar precisamos nos habituar a conviver com o inesperado, a sempre buscar maneiras novas de fazer as mesmas coisas.

Eu sou um grande fã das histórias em quadrinhos do Snoopy e do Charlie Brown. Em uma delas o Snoopy insiste com o Charlie Brown que quer que ele ponha a comida no prato de água e a água no prato de comida. Na conclusão da história o Snoopy pensa: “A vida é muito curta para não ser vivida”.

Em um nível mais amplo, grande parte do prazer de viver consiste em nossa capacidade de nos surpreendermos, de ver o novo constantemente ao nosso redor, de sermos tocados pela beleza.

Pense nisso … e tente enxergar o invisível, deixando a sua criatividade fluir.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *