Constelações Sistêmicas

© Viviani Bovo, Walther Hermann Kerth

Sinopse

Esse é um relato elaborado por profissionais do comportamento humano em 2004, depois das primeiras experiências de aplicação do modelo das Constelações Sistêmicas de Bert Hellinger, seja através de leituras, de vivências em seminários, formação de profissionais na abordagem ou aplicação em consultório. A finalidade desse texto é divulgar e informar nossa comunidade de uma revolucionária técnica de intervenção inconsciente construída a partir de uma síntese de diferentes abordagens terapêuticas acrescidas de vivências pessoais de Bert Hellinger como missionário em comunidades locais na África do Sul.

Contexto

Como sou, originalmente, um profissional com formação exata, nunca pude deixar de me perguntar sobre a medição de resultados de tantas técnicas de intervenção terapêutica que tive a oportunidade de aprender em diversos contextos de estudo e prática da hipnose. Estudioso do assunto há mais de vinte e cinco anos, tive a oportunidade de conhecer alguns grandes mestres brasileiros e estrangeiros, criadores, adaptadores e mensageiros de abordagens originárias de várias culturas e destinadas aos mais variados objetivos: desde intervenções cirúrgicas até a melhora de desempenho esportivo.

Embora eu tenha assistido pessoalmente a algumas intervenções que eu chamaria de milagrosas, raramente é possível prever de antemão qual será o resultado de sessões terapêuticas ou de aprendizagem planejadas para pessoas diferentes que possuem problemas semelhantes: sempre admitimos que o indivíduo é o único responsável pela utilização ou não dos ensinamentos obtidos em transe – diga-se de passagem, resultados bastante imponderáveis ou imprevisíveis, principalmente nos modelos de abordagem menos diretivas.

A partir dessa postura busquei conhecer a abordagem das “Constelações Sistêmicas” de Bert Hellinger, e fiquei impressionado com a simplicidade, a elegância e a potência desse polêmico método. Como resultado disso decidi escrever algumas reflexões sobre o assunto com a finalidade de compartilhar minhas fantasias e cultivar a esperança de reunir uma quantidade maior de pessoas interessadas em contribuir para a construção de melhores sentimentos para este mundo que vive tanta tensão no mundo atual.

Artigo

Como em vários campos da pesquisa científica de vanguarda, é bastante comum identificar-se algo novo para o que ainda não exista explicações completamente satisfatórias. Da mesma forma, muitas das idéias do modelo das Constelações Familiares não são satisfatoriamente explicáveis para as mentes mais racionais. Se isso de alguma forma angustia tais pessoas ávidas de razões e implicações, por outro lado serve como refresco para aqueles que já tentaram sondar as razões da existência e, cansados de se perguntar, encontram descanso em apenas não saber!

Uma abordagem fenomenológica tal qual as Constelações Sistêmicas, parte de algumas pressuposições talvez dogmáticas, nos convidando a aceitar evidências sem questioná-las, tanto quanto aceitamos dirigir nossos automóveis sem saber, na maioria dos casos, quais são os intrincados mecanismos que os fazem funcionar.

Essa é a base de sustentação inicial desse método – parece mais uma questão de fé – o que não é verdade inteiramente, já que os resultados são bastante observáveis na forma de desarticulação de várias rotinas inconscientes que nos carregam pela vida. Isto é, como seres humanos, mais conscientes ou menos das razões que nos carregam pela existência, podemos freqüentemente reconhecer que somos peças de um jogo sobre o qual não temos completo domínio: nem sempre as leis de causa e efeito parecem atuar logicamente no universo de nossos relacionamentos e comportamentos.

Por mais racionais que sejamos (sendo essa própria postura racionalista, em si mesma, um hábito ou condicionamento), somos confrontados regularmente com experiências de vida repetitivas, fora de nosso controle, como se fossem “lições da vida” das quais ainda não aprendemos as suas mensagens ou razões. Assim, muitas vezes nos perguntamos, o que será que devemos aprender com tal situação que ainda não fomos capazes de perceber, enquanto esse evento continua a se reproduzir periodicamente em nossos dias. Às vezes é um tipo de conflito familiar, alguma doença crônica, um padrão de falha em nossas comunicações, um relacionamento comprometido, um vício ou compulsão qualquer, algum pensamento negativo insistente, alguma insegurança ou medo freqüentes, entre outros.

O que nem sempre sabemos é que esses programas ou rotinas inconscientes possuem um grande poder de ação, independente de nossas vontades ou esforços conscientes. Alguns desses padrões, magicamente, podem também ser identificados em nossa história familiar – e até assumidos como hereditários ou sistêmicos, pois somos partes de organismos maiores chamados de famílias, organizações ou comunidades.

Um exemplo interessante dessas forças que agem sobre nós, e que estão além de nós, é este caso descrito a seguir. Um dos mais revolucionários psiquiatras americanos, Carl Whitaker, demonstrou uma rara sabedoria ao receber uma família para uma seção de terapia dentro de um seminário que proferia para médicos, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas. Nessa família havia um garoto esquizofrênico completamente surtado.

Por indicação de seu médico e aceitando as condições de um tratamento em público, enquanto estudo de caso, todos os membros dessa família foram trazidos para essa sessão de demonstração. Quando entraram na sala de atendimento (uma arena rodeada de profissionais que estudavam com esse psiquiatra), o garoto estava completamente descontrolado e havia uma tremenda confusão instalada entre todos os membros da família!

Estavam agitados a tal ponto, que nem todos viram e cumprimentaram o médico antes de sentarem em círculo nas cadeiras já posicionadas. Ainda permaneciam aos berros e desentendimentos, quando o psiquiatra começou a falar algumas palavras. Após algumas frases, Whitaker cochilou!!!

Passados alguns minutos, ele despertou, disse mais algumas palavras e, novamente, adormeceu! Esse fato repetiu-se várias vezes ao longo da seção terapêutica. Lenta e progressivamente, cada membro da família foi encontrando sua tranquilidade. Mesmo o garoto esquizofrênico se acalmou (saiu do surto) e, ao final da seção, estavam todos conversando educadamente, cada um falava por sua vez, escutando e aceitando os pontos de vista uns dos outros!

Os profissionais que assistiam à demonstração estavam extremamente surpresos e curiosos com o ocorrido. Foi encerrado o atendimento, agradecimentos, etc, e a família foi retirada da sala. Whitaker mal teve tempo de “respirar” e foi “bombardeado” com inúmeras perguntas, com grande alvoroço entre os profissionais presentes.

Diziam: – “Mas nada foi feito tecnicamente… Como você conseguiu esse resultado?”!!?; – “Como você conseguiu acalmar aquelas pessoas?”; – “Como retirou o garoto do surto sem nenhum medicamento?”!!?; etc. Pacientemente escutou todas as perguntas aguardando sua oportunidade de respondê-las com uma única frase: – “Em cada sistema (ambiente) existe espaço para apenas UM louco!!!!”.

De uma forma brilhante, Whitaker nos ensina que, embora um determinado membro de um sistema familiar possa manifestar um mal qualquer, a família como um todo é responsável!!! Seu único trabalho enquanto terapeuta nesse caso foi parecer mais louco que o garoto, fazendo algo completamente inesperado. Mesmo porque, as crises do menino já eram esperadas!

Portanto, se um membro de uma família adoece, em grande parte dos casos, todos os membros podem ser responsáveis! Igualmente, mesmo que um único órgão esteja doente em um indivíduo, “sua vida está doente”! Naturalmente, sob esse ponto de vista mais amplo, os porquês ou razões nem sempre podem ser encontradas em raciocínios lógicos simples. Nem mesmo talvez seja possível identificar culpados, pois os sintomas podem ser apenas sinais ou evidências a respeito das soluções inconscientes que as pessoas e os sistemas encontram para gerenciar suas tensões e insatisfações.

Um eminente biólogo chamado Ruppert Sheldrake elaborou uma teoria que explica, de certa forma, tais fenômenos dos seres vivos – essa é a teoria dos Campos Morfogenéticos. Um exemplo típico de suas idéias consiste no experimento do centésimo macaco.

Numa das inúmeras ilhas do Japão, na qual jogava-se batatas na praia para alimentar macacos, observou-se que um determinado indivíduo da comunidade de macacos, de uma das ilhas, começou a lavar as batatas antes de come-las. Sendo o macaco um animal sociável, pouco a pouco foi ensinando aos seus semelhantes como lavar as batatas para se livrar da areia e da sujeira.

Em várias das ilhas próximas havia outras comunidades de macacos, porém, sem a mínima possibilidade de contato ou troca de indivíduos entre as ilhas por causa da distância e da água. Curiosamente foi descoberto que, quando aproximadamente cem indivíduos da comunidade original do experimento já tinham aprendido a lavar batatas, membros de várias outras ilhas quase sincronicamente iniciaram o mesmo procedimento de lavagem das batatas. Havia algo, uma quantidade mínima ou crítica de indivíduos, responsável pelo processo de generalização desse aprendizado numa dimensão coletiva, partindo-se do aprendizado local de um grupo de indivíduos.

Isto é, como se houvesse uma memória pertencente a uma possível mente coletiva (inconsciente) dessa espécie de animais que passaria a servir de referência para os seus indivíduos. De forma semelhante isto parece ocorrer entre os seres humanos: o conhecimento dos símbolos e arquétipos (memórias coletivas inconscientes) pode nos conduzir para a construção de um modelo de compreensão da mente humana que não depende do tempo ou do local (o chamado inconsciente coletivo) – um depósito de conhecimentos e informações de nossa espécie, disponível para todos, especialmente evidente na linguagem dos sonhos, da arte ou da cultura (valores e comportamentos coletivos dos indivíduos).

Nessa perspectiva, a “substância” de estudo no modelo das “Constelações Familiares” é bastante imponderável e é chamada de “alma”, embora ninguém se aventure a descrever seus atributos ou suas razões! Por mais materialistas que sejamos, em nosso íntimo, temos algumas questões sem respostas, normalmente atribuídas a curiosidades provenientes não sabemos bem de onde. Reconhecemos a existência de algo além de nossa percepção que, para alguns de nós, acaba por dirigir muitos de nossos interesses e decisões, isto é, por mais racionais que sejamos, sendo um pouco honestos, sabemos que grande parte de nossas decisões não são tomadas baseadas apenas em argumentos lógicos, embora os utilizemos para justificá-las.

Aqui chegamos às fronteiras de nossas realidades! O que é percebido ou intuído por alguns, é apenas sonho ou fantasia para outros, mesmo admitindo que é exatamente através dos sonhos que nos tornamos mais humanos! Nada como a sabedoria do tempo para revelar seus mistérios que a ciência ainda não alcança, já que nada contraria a natureza, mas sim apenas aquilo que sabemos dela.

Nas minhas buscas pessoais, costumo acreditar que existem alguns sinais ou evidências do desabrochar da sensibilidade e da percepção da “alma”. A primeira delas tem uma relação íntima com o fato de começarmos a acordar de bom humor nas segundas-feiras! Por mais infantil que pareça tal afirmação, essa é uma importante evidência de que aqueles problemas que imaginamos povoar nossa semana não obscurecem mais nossa visão de longo prazo e o sentido que atribuímos à nossa vida.

O segundo sinal emerge da habilidade de enxergar através dos eventos históricos enquanto reconhecemos uma ordem subjacente ao aparente caos das experiências cotidianas, ou seja, quando percebemos que o universo real funciona como um espelho de nosso universo interior. Nesse momento, as sincronicidades começam a emergir apontando para uma relação muito íntima entre diferentes dimensões de experiência. As vezes são coisas simples, tais como encontrar a pessoa certa, na hora certa, no lugar certo, porém sem um planejamento consciente prévio.

O terceiro indício está relacionado com nossa flexibilidade de identidade, tanto na medida em que devemos nos dissociar de algumas memórias ou lembranças, para que possamos observa-las serenamente e aprender com elas, quanto com a habilidade de assumirmos outros papéis ou nos tornarmos simpáticos a diferentes motivações de outros indivíduos, aceitando suas razões e verdades – um procedimento que pode ser utilizado tanto no âmbito interpessoal quanto intrapessoal.

Em cada uma destas três situações descritas acima, quer você as conheça ou sejam apenas fantasia, tocamos num universo de forças imponderáveis, que talvez mais pareçam pertencer ao mundo da fé ou se assemelhem a crenças religiosas. No entanto, nossos pensamentos, reflexões e sentimentos, nossos medos, inseguranças e angústias, constituídos de “substância” semelhante, são em geral responsáveis por nossas decisões e ações, cujos frutos podem ser bastante objetivos e mensuráveis.

Dessa forma, o modelo de intervenção das “Constelações Sistêmicas”, promove seus movimentos e ativa forças dificilmente acessíveis pela consciência individual de cada um, através de um mecanismo que revela parte desses vínculos “imaginários” ou da “alma”.

Quer você saiba ou não explicar a equação das forças e motivações inconscientes que condicionam os seus comportamentos e os de seus familiares, ou de seus colegas de trabalho, ou amigos do clube, imagino que seja inquestionável a percepção de como a existência de fatos e eventos completamente inesperados podem tornar a história repetitiva. Como no caso do cidadão que casa e separa várias vezes e, a cada novo relacionamento, descobre-se agindo ou sendo vítima sempre das mesmas formas, como se apenas houvesse trocado a cédula de identidade do(a) parceiro(a), mas o “script” fosse sempre o mesmo.

O mais fantástico de tudo isso, como no caso de nos tornarmos exatamente iguais àquelas pessoas que mais criticamos, ou com quem temos nossos maiores conflitos ou diferenças, principalmente no caso de pais ou irmãos, é que fazemos isso inconscientemente por amor!!! Sim, num nível decisório profundo, longe de nossas crenças a respeito de que quem somos ou devemos ser, lá em nossa essência, atuam mecanismos de compensação e equilíbrio que nos moldam de acordo com nossos modelos!

Assim, esse modelo das “Constelações Sistêmicas” vem sendo construído e utilizado a partir da experimentação diária, já que não existem ainda teorias satisfatórias para explicar esses movimentos ou motivações de nossa essência (alma). Sua principal finalidade é promover ordenações mais saudáveis dessas dimensões de nossa existência que condicionam nossas vidas.

Ao promover novas equações de forças inconscientes, visa despertar movimentos inconscientes capazes de alterar os comportamentos, hábitos ou vícios responsáveis por alguns fatos inexplicáveis de nossas vidas, tais como: ressentimentos sem razão, relacionamentos ou comportamentos destrutivos, alcoolismo, dependência química ou vínculos de co-dependência, doenças psicossomáticas sem explicação, fracassos recorrentes, suicídios, mortes precoces ou abandonos, até mesmo de pessoas muito queridas e protegidas.

Portanto, essa é uma metodologia para ser conhecida por qualquer pessoa que busque auto-conhecimento ou uma solução para problemas pessoais, profissionais ou afetivos que transcendam a esfera pessoal (scripts familiares) e ainda não tenha encontrado uma solução satisfatória, mesmo depois de anos de dedicação e/ou terapia. Principalmente para aqueles que se sentem aprisionados a comportamentos ou scripts que envolvem suas histórias familiares.

Conclusões

Embora nada do que tenha sido dito seja conclusivo, o principal objetivo desse texto era despertar a curiosidade do leitor para o fato de existir algo que possa atrair seu interesse em explorar com mais determinação as várias informações e evidências que a vida lhe oferece, sendo que existem muitas pessoas empenhadas em elaborar soluções que possam nos desvincular de emaranhados e vínculos negativos, muitas vezes co-responsáveis por destinos não muito desejados. Se esse artigo tocou seus sentimentos, então talvez esteja na hora de você explorar algo completamente novo, diferente de tudo o que já está acostumado a estudar ou aprender.

Sugestões para Leitura

  • Constelações Familiares – Bert Hellinger – Editora Cultrix
  • Ordens do Amor – Bert Hellinger – Editora Cultrix
  • Para que o Amor Dê Certo – Bert Hellinger – Editora Cultrix
  • Simetria Oculta do Amor – Bert Hellinger – Editora Cultrix

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